sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Sobre "Ensaio sobre a cegueira"


A Loucura é BrancaNatalie Dowsley
Cegos. (Sobre)Vivendo. Não em uma completa escuridão, mas em uma sufocante clareza, um branco luminoso, um “mar-de-leite”. Antes, enxergavam demais. Por causa disto, os olhos voltaram-se para dentro; o que era caos virou brancura... ainda mais caótica. Esta é a cegueira descrita por José Saramago, em sua obra “Ensaio Sobre a Cegueira”. Esta é a cegueira que vejo nos hospitais psiquiátricos...
Tomados por uma doença “misteriosa”, que surgiu de repente, temerosamente considerada contagiosa: este foi o “laudo” que a sociedade ofereceu para os primeiros cegos da cidade sem nome, revelada por Saramago. Relendo estas palavras não é difícil perceber a semelhante experiência daqueles que têm a alma, a psiquê – ou qualquer outra palavra que o leitor prefira utilizar – adoecida. Viver a exclusão não é fácil... e dessa dor a cegeueira ou, para ser mais clara, a loucura, não os protege.
Com a cegueira branca, encarcerados pela discriminação, os homens e mulheres e crianças foram “jogados” num manicômio – coincidência? – , passando a viver o extremo de tudo o que nos é possível: o extremo da fome – de comida, bebida, afeto, respeito; o extremo do descaso – consigo mesmo e com o outro; o extremo do egocentrismo, da ganância; o extremo da dor, sobretudo da dor.
Afogados na brancura do mar de leite, as pessoas cegas não conseguiam enxergar o porquê de assim estarem. Passaram a se apoiar nos olhos de quem melhor enxergava a situação. Com esta pessoa, passaram a se sentir protegidos, mais seguros, ao mesmo tempo em que se viam convidados a desafiar a apatia, a buscar ter de volta as suas vidas, a autonomia, a força, a energia necessária para abrir os olhos e enxergar além da cegueira.
Nós, psicólogos, estamos, muitas vezes, diante de cegos mergulhados nesta branca neblina que é a loucura. Somos, ou ao menos devemos ser, aqueles que, naquele momento, enxergam melhor, mas que não usam os olhos para violentar os que não vêem ou para, simplesmente, fazer por eles o que eles têm que fazer por si...
Nossos olhos devem enxergar muito bem, como os olhos da “mulher do médico”. Devem ver além das paredes, da miséria, do sofrimento. Vendo, devemos ajudar outros a verem. Devemos fazê-los tocar em seus próprios muros e, devagar, irem caminhando até a porta da própria mente, para que, no momento certo, ela possa ser aberta, com força, dor e gasto de energia... mas trazendo a mais plena força de enxergar, permitindo que o branco que mascara, dê lugar a todas as cores que fazem parte da vida, deixando que os olhos voltem a ver com plenitude, sem fugir ou temer o que se é e o que se pode ser.

3 comentários:

Anônimo disse...

Passei aqui só para te dizer: "que seu blog está lindo, sua cara, muito show, é d+, ass. seu fã nº 1.

Anônimo disse...

Sob uma visão menos específica, que é a que creio tenha sido a abordagem do Saramago, pessimista por natureza, temos, no fundo, o descrédito que o Autor tem do animal HOMEM: assim o vemos em todas suas obras, inclusive naquelas, supostamente, menos pretenciosas.

Natalie Dowsley disse...

=) talvez... acho que Saramago tem, de fato, uma visão pessimista sobre a humanidade. Quis olhar a história proposta por ele, no livro citado, por uma perspectiva diferente que, no caso, tem relação com minha profissão. Mas creio que, ao pé da letra, Saramago quis apenas mostrar como o ser humano é,para ele, sem máscaras: egoísta,perverso, maquiavélico...
Valeu pelo comentário! Gosto de conversar sobre coisas interessantes. =)
Volte sempre e obrigada pela visita.