segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Clarice


“Sou tão misteriosa que não me entendo.”

(Clarice Lispector)

POEMA A BOCA FECHADA

POEMA A BOCA FECHADA
José Saramago

Não direi:
Que o silêncio me sufoca- e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é doutra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vasa de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais boiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quanto me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.


Nando Reis


"E viveram felizes para sempre.
Eles estavam livres da perfeição
Que só fazia estragos."

(Nando Reis)

João Cabral


"E não há melhor resposta
Que o espetáculo da vida:
Vê-la desfiar seu fio
Que também se chama vida
Ver a fábrica que ela mesma
Teimosamente, se fabrica
Vê-la brotar, como há pouco
Em nova vida explodida."



(João Cabral de Melo Neto)

...





"Quem sabe soletrar adeus

Sem lágrimas, nenhuma dor? (...)

É que nem sempre o amor é tão azul."


(cantada por Ney Matogrosso...)

domingo, 28 de setembro de 2008

Desabafos II

Desabafos II


Falei de desabafos, antes. Quando terminei, percebi que esqueci algo importante!

Não podia deixar passar "despercebido".

Não na faculdade, mas em toda a minha vida, aprendi, desde bem cedo, a importância de expôr, também, as tantas coisas positivas que recebemos do mundo, das pessoas.

Sempre que posso, expresso verbalmente também os bons sentimentos que me habitam em relação a algumas pessoas.

Porque às vezes acontecem coisas que não podemos explicar, racionalmente, mas que acontecem e são reais... Algumas vezes conhecemos alguém e, mesmo em pouco tempo de convívio, construímos por essa pessoa sentimentos tão bons, tão saudáveis, de carinho, respeito, que, mesmo sem saber porquê, existem, e nos fazem bem, nos fortalecem... e, diferente das coisas ruins, não nos prendem ao chão; nos elevam aos céus, nos ajudam a voar.

Outras vezes, convivemos anos com alguém que amamos muito, e nunca dizemos explicitamente o que sentimentos e o que/quanto admiramos essa pessoa. E nunca saberemos quando será a última vez a olhá-la...
Muitos textos bonitos falam muito melhor sobre isto do que eu... prometo que, em outro momento, os colocarei aqui, para quem se interessar ler... e crescer...

Natalie S. Dowsley.

Desabafos

Desabafos

Quando iniciei meu curso de Psicologia, em 2002, carregava comigo uma mala cheia de coisas pesadas e antigas... Coisas desnecessárias, que só me davam trabalho e dificultavam minha caminhada, meu crescimento. Certamente esta mala, tão densa, tão dura, era o que me fincava no chão, fazendo brotar em mim uma terceira perna, aquela de quem Clarice Lispector falava (A Paixão segundo G.H.).

Durante a minha formação profissional, descobri que precisava reformular-me enquanto pessoa. Descobri que precisava tirar a mala das costas, abri-la, tirar todas as coisas, uma por uma, e fitá-las, tocando, cada uma, individualmente, e provavando o sabor que ela me proporcionava. Precisava cheirar cada uma das delas, descobrir quando as coloquei em minha bagagem, quanto elas já significaram para mim, e, principalmente, quanto elas ainda significavam...

Precisei repensar muitas coisas. Tocar em machucados antigos, mal cicatrizados; precisei sentir dor, chorar, limpar minha alma!

Cada lembrança foi experimentada, avaliada... e senti que era hora de fazer uma limpeza geral, uma faxina!, dentro dessa mala que carregava.

Joguei fora muitas coisas, coisas pesadas demais, e que não me acrescentavam mais nada! Não tinham mais utilidade para mim.

Fiquei mais leve.

Com o tempo descobri que não adiantava apenas fazer faxinas dentro de mim... Era preciso descobrir uma forma de evitar que tanta sujeira se acumulasse nesta minha mala, que, pouco tempo depois da limpeza, já voltava a ficar cheia, pesada.

Poderia fechar as janelas e portas de mim mesma, para evitar que a poeira invadisse minha casa com tanta força, com tanta quantidade...

Poderia simplesmente voltar a deixar a mala se encher, e carregar, para sempre, aquele peso que me estabilizava no chão, mas me impedia de voar...

Decidi agir diferente. Aprendi, ainda na faculdade - mas não apenas através da Psicologia, mas também a partir do convívio com pessoas muito especiais, inteligentes e sensíveis, que me ensinaram muito - que uma das formas mais eficientes de evitar que o peso das coisas difíceis da vida voltasse a nos incomodar os ombros era aprender a senti-las, pensá-las, e, ao invés de guardá-las, acumulando-as em nós, expressá-las, expondo aos outros aquilo que se pensa e sente em relação aos fatos pesados da vida.

Entendi, também, que não adianta fazer isto de qualquer forma, agindo com impetuosidade e de forma insensata, imprudente. É preciso ponderar, e descobrir formas, locais e momentos adequados para dizer o que se sente, o que se pensa, o que se deseja...

Guardo, na minha bagagem, até hoje e para sempre, esta grandiosa aprendizagem. Ela é imensamente importante! ... e incrivelmente leve!

Hoje, tento respeitar quando as pessoas buscam expressar o que sentem ao meu respeito - é uma tarefa difícil! Preciso estar sempre me observando, para não enganar a mim mesma e acabar não aceitando as críticas, os pontos de vista alheios...

Tento, principalmente, não guardar coisas ruins; sempre que posso, sempre que surge uma oportunidade adequada, busco falar o que sinto, ou senti, em determinadas situações ou momentos específiicos, tentando dar uma oportunidade - aos outros, a mim mesma e à vida - para que as coisas se esclaresçam, e que eu não tenha que carregar nenhum peso desnecessário junto comigo, por toda a vida.

Natalie S. Dowsley.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Que Saudade...

Que Saudade...

Impossível chegar em casa
e não esperar sentir tua alegria,
tua felicidade ao nos ver...

Que saudade que sinto
do teu sorriso,
das brincadeiras,
do carinho incondicional...

Impossível não pensar em você
com lágrimas nos olhos,
no rosto inteiro...

A saudade é imensa,
a dor parece não desaparecer...
mas você se foi
e ficamos, eu e a saudade...

Queria ter certeza
de que vou te encontrar mais uma vez
e que poderei te abraçar
e te ver sorrir e me alegrar
novamente...

Mas, não tenho...
não sei, ainda,
em que acredito...

Só sei que você não está aqui do meu lado
mas continua aqui, comigo,
dentro do meu peito
e estampada nas minhas lembranças mais felizes.

Obrigada por tudo o que você me deu.
Obrigada por todo o amor,
por todo o carinho,
por toda felicidade.

Te amo,
e espero que a vida
não acabe por aqui...
para que eu possa,
pelo menos mais uma vez,
te abraçar e te ver feliz...

Saudades.
Natalie S. Dowsley

Eco ou Vida?

Eco ou Vida???

Um filho e seu pai caminhavam pelas montanhas. De repente seu filho, cai, machuca-se e grita:
- Aaai!!!
Para sua surpresa escuta a voz se repetir, em algum lugar da montanha:
- Aaai!!!
Curioso, pergunta:
- Quem é você?
Recebe como resposta:
- Quem é você?
Contrariado, grita:
- Seu covarde!!!
Escuta como resposta:
- Seu covarde!!
Olha para o pai e pergunta aflito:
- O que é isso?
O pai sorri e fala:
- Meu filho preste atenção. Então o pai grita em direção a montanha:
- Eu admiro você!
A voz responde:
- Eu admiro você!
De novo o homem grita:
- Você é um campeão!
A voz responde:
- Você é um campeão!
O menino fica espantado, não entende. Então o pai explica:
- As pessoas chamam isso de ECO, mas, na verdade isso é a VIDA.

Ela lhe dá de volta tudo o que você diz ou faz.
Nossa vida é simplesmente o reflexo das nossas atitudes.
Se você quer mais amor no mundo, crie mais amor no seu coração.
Se você quer mais competência da sua equipe, desenvolva a sua competência.
O mundo é somente a prova da nossa capacidade.
Tanto no plano pessoal quanto no profissional,a vida vai lhe dar de volta o que você deu a ela. SUA VIDA NÃO É UMA COINCIDÊNCIA, É CONSEQUÊNCIA DE VOCÊ !

(autor desconhecido)

É dia...


É dia...

Amanhã vou dormir...

Porque hoje já se acabou

o tempo de sonhar.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Amizade

Amizade

As palavras podem servir pra tantas coisas!
Podem servir para plantar e semear:
uma árvore, uma amizade, um amor,
uma lembrança...

Podem servir para fortalecer:
a fé, uma relação,
um convite,
um adeus...

Servem, também, para celebrar:
a proximidade,
a distância,
o que é novo,
e o que saudade.

A ausência das palavras
também tem suas finalidades:
para manter distância,
para poupar da distância,
para não magoar...

As palavras, como tudo na vida,
podem, também,
ser usadas para
machucar...

Se não são bem dosadas,
as palavras cortam
como navalha,
e fazem qualquer um sangrar...

Mas, as palavras, felizmente,
não são maiores do que as
pessoas;
elas não conseguirão,
jamais,
destruir o que uma ação
facilmente desfaz.

São as ações,
de ontem, hoje ou amanhã,
que fincarão bandeiras no
coração.

E as boas ações, oferecidas
antes, agora ou depois,
assim como as boas palavras,
têm mais força e peso
do que quaisquer outras!

Por isso, para manter uma boa amizade,
basta um abraço, sincero,
numa hora necessária.

Para destruir uma amizade,
é preciso muito esforço...
porque nem a distância,
nem as palavras, ditas ou caladas,
podem apagar a força
de uma ação
verdadeiramente valiosa.

N.S.Dowsley.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Saramago

“Então um cego perguntou, Ouviste alguma coisa, Três tiros, respondeu outro, Mas havia também um cão aos uivos, Já se calou, deve ter sido o terceiro tiro, Ainda bem, detesto ouvir os cães a uivar.”
(Saramago, 2004, p. 325)
 E, tristemente,
Tudo voltou a ser o que era antes:
Uma cidade de cegos...
Lugar ideal para a covardia...

Fico eu,
Inexplicavelmente a lamentar,
A ausência tão presente
Do cão das lágrimas,
Da mulher do médico,
Do comissário de polícia...

Fechei o livro.
Mas minh’alma
Ainda está unida àquelas vidas...
Demorará a voltar
Da cidade desconhecida...

(Natalie S. Dowsley)

O Louco - F. Pessoa

O Louco
Fernando Pessoa

E fala aos constelados céus
De trás das mágoas e das grades
Talvez com sonhos como os meus ...
Talvez, meu Deus!, com que verdades!
As grades de uma cela estreita
Separam-no de céu e terra...
Às grades mãos humanas deita
E com voz não humana berra...


A liberdade é humana.
Viver aprisionado não o é...
Que outra voz poderia gritar,
Em meio a ferros e paredes,
Se não uma voz
Não humana.

(Natalie S. Dowsley)

Criança, era outro...
Fernando Pessoa

Criança, era outro...
Naquele em que me tornei
Cresci e esqueci.
Tenho de meu, agora, um silêncio, uma lei.
Ganhei ou perdi?

“Quando nascemos, quando entramos neste mundo, é como se firmássemos um pacto para toda a vida, mas pode acontecer que um dia tenhamos de nos perguntar Quem assinou isto por mim, eu perguntei e a resposta é esse papel, (...)”.
(Saramago, 2004, p. 302).

Como é por dentro outra pessoa - F. Pessoa




Como é por dentro outra pessoa
Fernando Pessoa

Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Como que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.
Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.

Quando Vier a Primavera - F. Pessoa


Quando Vier a Primavera
Alberto Caeiro

Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

Pensamentos...

Um passo à frente
E não estou mais no mesmo lugar,
Já ensinava o pensador
Chico Science.
E para mim, que estou aprendendo
A andar com minhas verdadeiras pernas,
Não há nada melhor
A repetir.

Porque estou descobrindo,
Junto ao gênio disfarçado de filósofo, Sartre,
Que
o que importa não é o que fazem do homem,
Mas o que ele faz
Do que fizeram dele.
Só depende de mim
Ser o que quero ser.

Preciso reaprender a sonhar,
Como falava o poeta Thiago de Mello,
Sem me deixar levar pela
Força do vento
Para campos inférteis;
É sonhar construindo o chão
E preparando-o para que
O sonho possa florescer.

E que eu consiga,
Mesmo que com muito esforço,
Tocar, com meu dedo verde,
Como contava Maurice Druon,
Meu próprio coração,
Enchendo-o de uma nova vida;
De uma vida florida e alegre,
Como toda vida deve ser.

Natalie S. Dowsley
(outubro/2005).

O Amor é uma Companhia - F. Pessoa

O Amor é uma Companhia
Alberto Caeiro

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

Leve - Fernando Pessoa


Leve
Alberto Caeiro

Leve, leve, muito leve,

Um vento muito leve passa,

E vai-se, sempre muito leve.

E eu não sei o que penso

Nem procuro sabê-lo.

Brecht


“Nós vos pedimos com insistência:
Não digam nunca: isso é natural!
Diante dos acontecimentos de cada dia,
Numa época em que reina a confusão,
Em que corre sangue,
Em que o arbitrário tem força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza,
Não digam nunca: isso é natural!
Para que nada passe a ser imutável!”

(dramaturgo e poeta alemão, Bertolt Brecht, 1898-1956).

Cora Coralina

“Não sei se a vida é curta ou longa demais para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura... enquanto durar...”

(Cora Coralina)

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Liberdade


"No entanto, a liberdade, sob uma perspectiva existencial, está vinculada à angústia ao afirmar que, contrariamente à experiência cotidiana, não entramos para um universo bem-estruturado com um grandioso desígnio eterno para finalmente deixarmos. A liberdade significa que a pessoa é responsável por suas próprias escolhas, ações e condição de vida." (p.16)

"O primeiro passo em qualquer mudança terapêutica é o surgimento da responsabilidade. Se a pessoa não se sente, de maneira nenhuma, responsável por suas próprias dificuldades, como, então, ela será capaz de modificar a situação?" (p.104)

(YALOM, O Carrasco do Amor, 2007).

Morte

"Afinal, se a morte for uma entidade perseguidora, ainda poderemos encontrar uma forma de enganá-la; além disso, por mais assustador que um monstro que carrega a morte possa ser, ele é menos aterrorizante que a verdade: a de que carregamos dentro de nós as sementes de nossa própria morte."

(YALOM, 2007, p. 13).

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Lispector


Tripé
(Natalie S. Dowsley, a partir de Clarice Lispector)

"Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. (...) Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar." (Clarice Lispector, A Paixão segundo G.H., p.11 e 12).

Estável. Segura. Protegida.
O tripé que me conforta,
as três pernas que me sustentam,
me oferecem a ilusionária tranqüilidade,
a insensata certeza de que tudo está bem...

Ao longo dos anos, acumulei
aprendizagens, descobertas,
dores;
hoje, levantei-me da cama
e todas essas coisas,
tão antigas,
eclodiram como uma bomba silenciosa,
dentro de mim.

Cai sobre minha própria surpresa,
incômodamente impressionada,
como se algo me faltasse...
e me sobrasse.

A ausência de certezas tomou conta do quarto.
Senti medo, mas encarei a barata que me olhava
de dentro de mim mesma,
questionando o que sou,
o que faço,
o que posso fazer...

"(...) todos os retratos de pessoas são um retrato de Mona Lisa." (p.27)
Inclusive o meu.

Encaro meu rosto, no rosto do inseto,
pequeno, frágil,
forte, poderoso.
Não sei quem sou!

Minha face é, como todas,
um mistério,
um silêncio.
Meus meio-sorrisos podem significar
muitas coisas...
ou, simplesmente, nada...

nada que eu conheça.

Hoje, em pé junto à cama,
descobri que havia perdido uma perna...
restavam-me apenas duas!
E a estabilidade que me acomodava desapareceu.
Ficou a angústia, a dor
e a certeza de que,
só agora,
começarei a ser feliz.

"(...) estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender." (p.11).

domingo, 21 de setembro de 2008

Doação


Quando morrer
quero que, o que ainda servir,
seja oferecido a quem desejar,
para que partes de mim
tenham uma serventia melhor
do que apenas metamorfosear-se
em adubo.

Quando meu corpo cansar
de lutar contra minha companheira
de vida, a morte,
espero que meus olhos possam enxergar,
através de outras órbitas,
novos sonhos.

Quero que meu coração
pulse um pouco mais
no peito de alguém que
queira amar
e que, amando,
viva cada dia mais, melhor.

Espero que meus rins possam
continuar filtrando
a raiva, a tristeza, as mágoas,
limpando outros sangues,
outros corpos,
outras vidas.

Enquanto viva,
ofereço o que posso
daquilo que meu corpo me dá;
o sangue que não me falta,
a medula que se regenera...

Ofereço-me, em partes
vivas,
na esperança de que,
unidas em novos corpos,
estas partes sejam um todo,
integralmente saudável
e potencialmente feliz.

Natalie Dowsley.

Obs.: O HEMOPE ESTÁ INICIANDO OS CADASTROS DE POSSÍVEIS DOADORES DE MEDULA ÓSSEA. QUEM SE INTERESSAR, PODE LIGAR PARA: 0800 811 535.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Sobre "Ensaio sobre a lucidez"


Humanidade
(Natalie Dowsley)


A mulher do médico. Novamente, esta figura tão intensamente comum, cotidianamente real, surge nas páginas de Saramago.

Mais uma vez provoca, ao seu redor, mudanças; votos em branco? uma nova epidemia?; acredito que a grande mudança foi, de novo, a humanização dos personagens ao seu redor.

Quando digo "humanização", não quero dizer que, antes dela, cada personagem não houvesse componentes "humanos" - seria isto impossível! - nem quero dizer que apenas os bons comportamentos e pensamentos são parte da "natureza" humana...

Estou a dizer, apenas, que, pela segunda vez, a mulher do médico traz à tona os conflitos humanos, aqueles escondidos nas narrativas do dia-a-dia, na rotina da vida. A força desta mulher permite com que as fragilidades humanas reapareçam, com mais força, nas linhas das tantas histórias de vida reveladas. Suas palavras, sua força, suas lágrimas contidas, sua visão tão perspicaz... tudo isto permite com que as pessoas ao seu redor sejam enxergadas com maior profundidade... e que, mais importante, se enxerguem com mais intensidade, honestidade.

A lucidez não parece estar diretamente ligada às escolhas políticas de uma cidade; a lucidez parece ser a capacidade que algumas pessoas desenvolveram, após a esclarecedora e iluminadora cegueira branca, de enxergarem, verdadeiramente, sem vendas, sem máscaras, sem medos, a bela/triste/complexa/simples/real/mitológica "condição humana" - assim, puderam enxergar melhor a si mesmos, aos outros ao redor...

As escolhas, numa urna, parecem ser apenas uma das tantas mudanças que as pessoas desta cidade vêem realizando, dentro de si mesmas, há quatro anos...

Mudanças que podem ser vistas não apenas nos votos, mas no ato de varrer as próprias ruas, de agirem como o beija-flor no incêndio, cada uma a fazer uma parte, a que lhe cabe, contribuindo para o bem de todos.

A mudança "de fora", a lucidez nas ações com os outros e com o mundo, penso eu, estão claramente condicionadas às mudanças "de dentro".

Lúcidos, donos de suas próprias escolhas, ações, emoções, as pessoas da cidade desconhecida - mas, tão bela! - deixam lições valiosas para quem quiser conhecer melhor a própria humanidade... e humanizar-se ainda mais.


"(...) alegra-nos verificar que viu a luz, não a que o dito ministro quer que os votantes da capital vejam, mas a que os ditos votantes em branco esperam que alguém comece a ver."
(Saramago, Ensaio sobre a lucidez, p. 110 e 111).




















terça-feira, 9 de setembro de 2008

Fernando Pessoa


Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.
(Fernando Pessoa)

Palabras Urgentes


"Palabras Urgentes

Estamos viviendo tiempos de profunda transformación. Escribo estas palabras y creo que esta es la historia de la humanidad, la transformación constante. Y en este tiempo, tiene el matiz de la deshumanización, del hambre sin sentido, de la atrocidad de una guerra despiadada. No puedo dejar de nombrar esto, no me resulta indiferente, y este contexto, es parte del texto, de la necesidad de nombrar, de la urgencia de ponerle palabras a tanta impotencia; la urgencia de recuperar la palabra, la palabra potente, creadora, libre, que pueda transformar..."


("EL ELOGIO DE LA PALABRA de su integridad , de su magia y de su poder transformador" / Viviana Rey - 2003)

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Crescer


Cada dia cresço mais.
Uns dias cresço pouco,
como se houvesse faltado chuva
e a seca calou a semente pronta para nascer;
Outros dias cresço muito,
cresço tanto
que até me assusto com as nuvens ao meu redor.

Vivo nesse movimento:
cresço
não cresço
cresço
não cresço...

Mas, mesmo naqueles dias que parece que não aumentei nenhum milímetro,
mesmo nestes dias
muitas coisas acontecem
prepararando, ao menos, as sementes,
para que,
no momento certo,
elas possam germinar,
crescer,
atingir as alturas.

Às vezes achamos, como Alice,
em seu País das Maravilhas,
que é preciso crescer (ou diminuir...)
quando comemos um bolo...
Esquecemos que um bolo, um simples bolo,
nem sempre tem o "poder"
de nos fazer mudar - para cima ou para baixo.

Um bolo não provoca, a princípio,
grandes transformações.
Porém, lá dentro de nós,
na barriga, no coração,
nos pés e nas mãos,
tudo o que colocamos "para dentro"
reflete no que somos, do lado de fora.

Pequenas experiências, cotidianas,
rotineiras,
podem não causar espantosas metamorfoses...
mas, com certeza,
terão modificado algo em nós...
que, mais na frente, poderá resultar
em grandes transformações,
em asas de borboleta,
em vôos coloridos.

Todos os dias cresço.
Ora percebo,
ora ignoro;
algumas vezes me dói,
outras tantas vezes me alegra.

Há algo, contudo,
que nunca muda:
quando mudo,
o mundo muda junto comigo.
Meus olhos, meus dedos, meus sentimentos...
tudo o que sou/estou vê, sente e toca o mundo
a partir e através de mim mesmo...

Por isso, para cuidar do mundo,
para construir um mundo melhor,
preciso cuidar de mim,
me aprimorar,
melhorar,
crescer...
ser feliz!
Assim, terei o mundo que tanto desejo - dentro e fora de mim.

Natalie S. Dowsley.