terça-feira, 26 de agosto de 2008

O poder do que podemos fazer


O poder do que podemos fazer
(Natalie Dowsley)

Ao assumir uma profissão, em especial aquelas dedicadas a cuidar de outras pessoas, firmamos um contrato aparentemente invisível, porém extremamente real, valioso e urgente; um acordo onde assumimos que, com o poder que nos está sendo concedido, – seja através de um diploma universitário ou a partir de uma farda militar – faremos o melhor possível para que a sociedade contemporânea viva dias melhores.
O que acontece, contudo, é que, muitas vezes, devido à correria do dia-a-dia, do cansaço, ou simplesmente devido ao desconhecimento, diversos profissionais ignoram o contrato assinado com a sociedade civil, deixando de assumir tarefas que podem colaborar imensamente para a mudança social tão aguardada e necessária.
Vivemos, hoje, em meio à violência. Ela está em todas as partes: nas ruas, favelas, prédios de luxo, esquinas, campos e cidades; está do lado de fora, e também dentro de cada um de nós. Porque violência não significa apenas agredir, roubar, matar. Violência contra o meio ambiente e a saúde pública é jogar lixo nas ruas, não tomar cuidado com locais que podem acumular água parada, dar preferência ao uso de gasolina, ao invés da opção do álcool, para os carros bi-combustível. Violência pode ser não participar de campanhas de coleta seletiva do lixo, não doar ou incentivar a doação de sangue e medula óssea, dar dinheiro às crianças colocadas nos sinais, pelos pais.
A violência, portanto, pode estar em qualquer lugar, e usa vestimentas diferentes, mas que se baseiam na compreensão equivocada da sociedade a respeito da responsabilidade individual; esquece-se, por conveniência ou falta de reflexão, que cada um de nós pode modificar um pedacinho da realidade, e que se todos fizerem sua parte, com o tempo brotarão mudanças em grandes “pedaços” da sociedade, nas cidades, nos estados e, assim desejamos, no país.
Quando maridos ou esposas agridem-se fortuitamente, em especial na frente de crianças, transmite-se mensagens que não serão apagadas, depois, com diálogos e castigos; a criança entenderá, possivelmente, que a violência é aceitável, e que, talvez, seja a melhor forma de resolver conflitos. Depois, quando chega a adolescência, onde os sentimentos estão “à flor da pele”, a tendência é utilizar o “ensinamento” aprendido: melhor do que dialogar é resolver “na briga”.
Quero lembrar que, quando me refiro à agressão, falo não apenas de tapas, empurrões, murros, mas também de xingamentos, humilhações, apelidos depreciativos, preconceitos disparados sob forma de palavras, dentre tantas outras variações da violência.
Desejamos mudanças, com urgência! No entanto, alguns reclamam da corrupção dos políticos e, mesmo assim, escolhem seus candidatos de acordo com o que lhe for mais conveniente – “Se ele me arranjar um ‘empreguinho’, então meu voto é dele!”; criticamos a polícia, que tem se mostrado bastante corrompida e violenta, mas, quando parados em uma blitz, quantos de nós não preferem dar um “toco” (propina) a ter que pagar uma multa ou ter o veículo apreendido?
Muitos incentivam a violência sem se dar conta. Outros, incentivam-na por puro egoísmo, por pensar apenas em seu bem-estar momentâneo – “Ufa! Me livrei de uma multa pagando aqueles R$20,00!”; esquecem-se de pensar no futuro, nos seus filhos, netos, amigos, familiares em geral, que, um dia, poderão precisar da ajuda de um policial e, diante dos tantos corruptos e indignos da farda, não encontrarão nenhum soldado, oficial, ou o que quer que seja, disposto ou disponível para exercer sua função: cuidar da sociedade... – a não ser que “role” um dinheirinho “por fora”...
Acredito que, antes de falar mal dos políticos, da polícia, e de qualquer outra “coisa”, precisamos pensar o quanto desta situação incômoda tem a ver com nossos atos, e o que nós podemos fazer para modificá-la, ao menos um pouco. Estamos em ano de eleições, ótima oportunidade de pensar em nosso papel. Cada um é apenas um voto. Mas de um em um podemos escolher bons representantes, ou péssimos representantes.
Estamos, também, vivenciando, em Recife e em muitas cidades do Brasil, um processo de renovação no quadro das polícias (militar e civil, em especial). O objetivo, certamente, é re-iniciar, “do zero”, com pessoas jovens, que convivem com a violência, enquanto civis, e que desejam combatê-la, enquanto autoridades policiais. Porém, o peso da farda e da arma, apesar de todos os problemas da corporação – coletes vencidos, armas defasadas, salários pouco atraentes – ainda fazem com que muitas pessoas queiram ser policiais simplesmente para poder “mandar e desmandar”, roubar com o “apóio” do governo, bater à vontade, atirar sem pensar duas vezes... É triste, mas é fato.
Com mais rigor, as seleções para estes cargos vêm se arrastando por muitos meses, o que já representa uma possível tentativa de desmotivar aqueles que não desejam, de fato, ser bons policiais. Além disto, as etapas estão cada vez mais concorridas e bem elaboradas, selecionando com rigor, e “descartando” aquelas pessoas que, naquele momento, não encontram-se com o perfil necessário ao cargo.
Estas mudanças são um primeiro passo. Espera-se que, em breve, as autoridades governamentais entendam a urgência de solucionar os problemas internos das polícias, aumentando o tempo e a quantidade de treinamentos e reciclagens, oferecendo suporte psicológico ao policial e à sua família, ampliando o salário e intensificando a busca por punição para aqueles que se vestem de policial porém são apenas grandes bandidos fardados.
Seria ótimo se a educação sofresse uma grande reformulação, também. Escolas em tempo integral são essenciais, tanto para os pais trabalharem tranqüilos, seguros de que seus filhos não estão nas ruas, como também para as crianças, que poderão contar com uma alimentação adequada durante todo o dia e também praticarão atividades esportivas e culturais, mantendo-se longe, ao menos momentaneamente – o que já faria grande diferença! – das ruas, do trabalho infantil, da marginalização.
Todos nós, cada um, podemos auxiliar nestas mudanças. Primeiro, escolhendo com consciência nossos políticos; em seguida, cuidando para que, dentro de casa, o exemplo oferecido às crianças seja de respeito, dignidade, honestidade, perseverança, superação, e não de violência, acomodação; podemos, ainda, refletir e mudar nossas ações com a sociedade, dando inicial à coleta seletiva de lixo dentro de casa – existem instituições particulares que recolhem estes lixos e doam a corporativas que reciclam os matérias, e existe, também, o programa da Celpe, onde troca-se lixo reciclado por desconto na conta de energia elétrica; podemos pensar, ainda, na possibilidade de doar sangue e medula óssea, ou incentivar quem possa fazê-lo.
Pode-se, também, refletir sobre a violência no trânsito, a distribuição de dinheiro para crianças nos sinais, – o que estimula os pais a manterem a criança naquele “ponto”, ao invés de estar em casa ou na escola – a discriminação racial, social, ou qualquer outro tipo de discriminação – todos os tipos são tão irracionais e absurdos.
Para aqueles que assumem profissões onde o cuidado com a população é o centro de sua função, a obrigação de contribuir diretamente para a diminuição da violência é ainda maior, pois estes cidadãos estarão em contato direto com outros cidadãos, podendo transmitir, ou não, mensagens (indiretamente) educativas, contribuindo, a longo prazo, para a disseminação de uma cultura de paz – tão falada, tão desejada – e, conseqüentemente, para a diminuição da violência, sob todas as formas. Esta me parece ser uma contribuição social essencialmente possível e extremamente necessária.

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