sábado, 30 de agosto de 2008

Trabalho


Dinheiro é importante, ninguém duvida disto. Com um bom salário, o profissional tende a ficar satisfeito e motivar-se mais e melhor para a realização de um trabalho bem feito.

Todavia, tem um "par" de outras coisas que são - ouso dizer - mais importantes do que o tamanho do salário.

Pode parecer demagogia - afinal, vivemos em um mundo onde "ter é poder"... - mas, na verdade, para quem vive a experiência de estar sem emprego, por algum tempo, muitos outros fatores podem vir em primeiro lugar.

Estar desempregada, como já abordei antes, é algo difícil. Mexe com a auto-estima, com a segurança, com os planos e sonhos; modifica a rotina, impõe medidas de contenção (financeira) e, algumas vezes, provoca o isolamento social. Trabalhar, então, surge como uma possibilidade de retomada de tudo o que fora perdido; representa a chance de sentir-se, mais uma vez, produtivamente saudável, competente, dinâmica, viva!

Mas, acredito que não ajuda muito quando o ambiente de trabalho, ou o próprio trabalho em si, não são compatíveis com o "perfil" do empregado. Quando estes itens não estão em sintonia, muitas vezes o trabalho torna-se a fonte de adoecimento, e não a "tábua de salvação".

Por tudo isto, cada vez mais vejo, penso e sinto que existem algumas coisas que estão acima do valor no contracheque.

Chegar ao trabalho e encontrar pessoas agradáveis, queridas, que demonstram prazer no que fazem e que buscam sempre fazer bem feito; atuar em funções que sejam compatíveis com nossas necessidades, vontades; receber elogios sinceros ou demonstrações de confiança por parte dos clientes, colegas e superiores; estar feliz em acordar cedo, todos os dias, para realizar uma atividade que precisa de sua ação; gostar de aprender mais, de se aprimorar, de melhorar, para realizar melhor as atividades que lhes são confiadas; tudo isto tem se revelado, para mim, como questões muito, muito maiores e mais fortes do que o salário.

Não serei hipócrita para dizer que trabalhar "de graça" seria maravilhoso! Não, não seria. O salário é mais uma forma de estimular o aperfeiçoamento, a qualificação, por isto deve ser sempre um bom valor... apesar de nem sempre ser esta a realidade.

Porém, não há dinheiro que pague o elogio de um cliente, que chegou tenso e assustado, e foi para casa mais tranqüilo e confiante; não há preço suficiente para motivar mais do que a confiança depositada por um líder, demonstrando que somos competentes e estamos aptos a realizar a tarefa confiada.

Nada paga o prazer de encontrar sorrisos, ao chegar ao trabalho; sorrisos e gestos de simpatia, de cordialidade, desde a recepção, até os últimos andares...

Estou muito feliz com minhas descobertas, com o trabalho que temporariamente exerço, com as pessoas que tenho convivido e com as tantas coisas que tenho aprendido, todos os dias, com todas as pessoas que tenho encontrado.

E essa felicidade - eu sei bem!!! - não tem receita e nem pontos de venda... quando ela acontece, só se sabe que aconteceu... e que é muito bom!

Natalie Dowsley.

Cabelo


Sonharam que eu cortava meus cabelos e,
diferente de Sansão,
estava mais forte do que nunca.
Será que já chegou a hora
de jogar fora algumas coisas?
(o eco dentro de mim ainda teima em não responder...)
(Natalie S. Dowsley)

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Tempos Modernos

Tempos Modernos
(Natalie Dowsley)

O título foi inspirado em um dos filmes mais conhecidos de Charlie Chaplin. O assunto, conseqüentemente, não podia ser outro se não trabalho.
Muitos estudiosos, interessados no comportamento humano, já dissertaram, variadas e interessantíssimas vezes, sobre a importância do trabalho para a manutenção da saúde mental, para a elevação da auto-estima, para o aumento da motivação e do prazer; contudo, nos últimos dias, participando de uma experiência de trabalho maravilhosa, percebi que não seria capaz de compreender, em sua real amplitude, a importância de um ofício caso não houvesse passado meses sem nenhum trabalho.
Estar desempregada foi uma péssima experiência. Machuca o orgulho, em especial de quem se dedicou anos e anos em uma formação acadêmica - algo bastante caro, em nossa sociedade, para quem não estuda em universidades públicas.
Machuca, também, o bolso, - e como machuca!!! - impedindo, ou ao menos dificultando, a realização de planos, sonhos, metas. A sensação é a de que o mundo parou de girar... e o medo é de "cair mundo abaixo" com a falta de gravidade - força gravitacional!!! Porquê "gravidade" tem de sobra, pra quem está desempregado!
Voltar a exercer a Psicologia, profissão que escolhi com o coração e abracei de corpo e alma, inteiramente, está sendo um momento incrível!
Acordar cedo, dormir tarde, ficar cansada, sentir fome, ficar rouca... há!!! como essas coisas são boas!!! Trabalhar é bom demais!
Quando se trabalha com o que se gosta - no meu caso, com PESSOAS! - e com ótimas colegas e uma equipe ímpar, chegar ao trabalho é um prazer, só não maior do que a própria realização do trabalho.
Estou renovada, feliz, plena. Ser psicóloga é maravilhoso! Trabalhar é maravilhoso!
Sou muito grata por este momento de minha vida... e, agora, entendo, perfeitamente, a imensurável importância do trabalho... e as dores que sua ausência causa.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

O poder do que podemos fazer


O poder do que podemos fazer
(Natalie Dowsley)

Ao assumir uma profissão, em especial aquelas dedicadas a cuidar de outras pessoas, firmamos um contrato aparentemente invisível, porém extremamente real, valioso e urgente; um acordo onde assumimos que, com o poder que nos está sendo concedido, – seja através de um diploma universitário ou a partir de uma farda militar – faremos o melhor possível para que a sociedade contemporânea viva dias melhores.
O que acontece, contudo, é que, muitas vezes, devido à correria do dia-a-dia, do cansaço, ou simplesmente devido ao desconhecimento, diversos profissionais ignoram o contrato assinado com a sociedade civil, deixando de assumir tarefas que podem colaborar imensamente para a mudança social tão aguardada e necessária.
Vivemos, hoje, em meio à violência. Ela está em todas as partes: nas ruas, favelas, prédios de luxo, esquinas, campos e cidades; está do lado de fora, e também dentro de cada um de nós. Porque violência não significa apenas agredir, roubar, matar. Violência contra o meio ambiente e a saúde pública é jogar lixo nas ruas, não tomar cuidado com locais que podem acumular água parada, dar preferência ao uso de gasolina, ao invés da opção do álcool, para os carros bi-combustível. Violência pode ser não participar de campanhas de coleta seletiva do lixo, não doar ou incentivar a doação de sangue e medula óssea, dar dinheiro às crianças colocadas nos sinais, pelos pais.
A violência, portanto, pode estar em qualquer lugar, e usa vestimentas diferentes, mas que se baseiam na compreensão equivocada da sociedade a respeito da responsabilidade individual; esquece-se, por conveniência ou falta de reflexão, que cada um de nós pode modificar um pedacinho da realidade, e que se todos fizerem sua parte, com o tempo brotarão mudanças em grandes “pedaços” da sociedade, nas cidades, nos estados e, assim desejamos, no país.
Quando maridos ou esposas agridem-se fortuitamente, em especial na frente de crianças, transmite-se mensagens que não serão apagadas, depois, com diálogos e castigos; a criança entenderá, possivelmente, que a violência é aceitável, e que, talvez, seja a melhor forma de resolver conflitos. Depois, quando chega a adolescência, onde os sentimentos estão “à flor da pele”, a tendência é utilizar o “ensinamento” aprendido: melhor do que dialogar é resolver “na briga”.
Quero lembrar que, quando me refiro à agressão, falo não apenas de tapas, empurrões, murros, mas também de xingamentos, humilhações, apelidos depreciativos, preconceitos disparados sob forma de palavras, dentre tantas outras variações da violência.
Desejamos mudanças, com urgência! No entanto, alguns reclamam da corrupção dos políticos e, mesmo assim, escolhem seus candidatos de acordo com o que lhe for mais conveniente – “Se ele me arranjar um ‘empreguinho’, então meu voto é dele!”; criticamos a polícia, que tem se mostrado bastante corrompida e violenta, mas, quando parados em uma blitz, quantos de nós não preferem dar um “toco” (propina) a ter que pagar uma multa ou ter o veículo apreendido?
Muitos incentivam a violência sem se dar conta. Outros, incentivam-na por puro egoísmo, por pensar apenas em seu bem-estar momentâneo – “Ufa! Me livrei de uma multa pagando aqueles R$20,00!”; esquecem-se de pensar no futuro, nos seus filhos, netos, amigos, familiares em geral, que, um dia, poderão precisar da ajuda de um policial e, diante dos tantos corruptos e indignos da farda, não encontrarão nenhum soldado, oficial, ou o que quer que seja, disposto ou disponível para exercer sua função: cuidar da sociedade... – a não ser que “role” um dinheirinho “por fora”...
Acredito que, antes de falar mal dos políticos, da polícia, e de qualquer outra “coisa”, precisamos pensar o quanto desta situação incômoda tem a ver com nossos atos, e o que nós podemos fazer para modificá-la, ao menos um pouco. Estamos em ano de eleições, ótima oportunidade de pensar em nosso papel. Cada um é apenas um voto. Mas de um em um podemos escolher bons representantes, ou péssimos representantes.
Estamos, também, vivenciando, em Recife e em muitas cidades do Brasil, um processo de renovação no quadro das polícias (militar e civil, em especial). O objetivo, certamente, é re-iniciar, “do zero”, com pessoas jovens, que convivem com a violência, enquanto civis, e que desejam combatê-la, enquanto autoridades policiais. Porém, o peso da farda e da arma, apesar de todos os problemas da corporação – coletes vencidos, armas defasadas, salários pouco atraentes – ainda fazem com que muitas pessoas queiram ser policiais simplesmente para poder “mandar e desmandar”, roubar com o “apóio” do governo, bater à vontade, atirar sem pensar duas vezes... É triste, mas é fato.
Com mais rigor, as seleções para estes cargos vêm se arrastando por muitos meses, o que já representa uma possível tentativa de desmotivar aqueles que não desejam, de fato, ser bons policiais. Além disto, as etapas estão cada vez mais concorridas e bem elaboradas, selecionando com rigor, e “descartando” aquelas pessoas que, naquele momento, não encontram-se com o perfil necessário ao cargo.
Estas mudanças são um primeiro passo. Espera-se que, em breve, as autoridades governamentais entendam a urgência de solucionar os problemas internos das polícias, aumentando o tempo e a quantidade de treinamentos e reciclagens, oferecendo suporte psicológico ao policial e à sua família, ampliando o salário e intensificando a busca por punição para aqueles que se vestem de policial porém são apenas grandes bandidos fardados.
Seria ótimo se a educação sofresse uma grande reformulação, também. Escolas em tempo integral são essenciais, tanto para os pais trabalharem tranqüilos, seguros de que seus filhos não estão nas ruas, como também para as crianças, que poderão contar com uma alimentação adequada durante todo o dia e também praticarão atividades esportivas e culturais, mantendo-se longe, ao menos momentaneamente – o que já faria grande diferença! – das ruas, do trabalho infantil, da marginalização.
Todos nós, cada um, podemos auxiliar nestas mudanças. Primeiro, escolhendo com consciência nossos políticos; em seguida, cuidando para que, dentro de casa, o exemplo oferecido às crianças seja de respeito, dignidade, honestidade, perseverança, superação, e não de violência, acomodação; podemos, ainda, refletir e mudar nossas ações com a sociedade, dando inicial à coleta seletiva de lixo dentro de casa – existem instituições particulares que recolhem estes lixos e doam a corporativas que reciclam os matérias, e existe, também, o programa da Celpe, onde troca-se lixo reciclado por desconto na conta de energia elétrica; podemos pensar, ainda, na possibilidade de doar sangue e medula óssea, ou incentivar quem possa fazê-lo.
Pode-se, também, refletir sobre a violência no trânsito, a distribuição de dinheiro para crianças nos sinais, – o que estimula os pais a manterem a criança naquele “ponto”, ao invés de estar em casa ou na escola – a discriminação racial, social, ou qualquer outro tipo de discriminação – todos os tipos são tão irracionais e absurdos.
Para aqueles que assumem profissões onde o cuidado com a população é o centro de sua função, a obrigação de contribuir diretamente para a diminuição da violência é ainda maior, pois estes cidadãos estarão em contato direto com outros cidadãos, podendo transmitir, ou não, mensagens (indiretamente) educativas, contribuindo, a longo prazo, para a disseminação de uma cultura de paz – tão falada, tão desejada – e, conseqüentemente, para a diminuição da violência, sob todas as formas. Esta me parece ser uma contribuição social essencialmente possível e extremamente necessária.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Encontrando-me com o Tempo


Encontrando-me com o Tempo
Natalie Dowsley


Hoje, reencontrei o Passado.
Toquei-o com dedos leves,
Temerosos,
Pois não sabia qual seria a reação do meu corpo.

Revê-lo, tão perto,
Não chegou a machucar-me.
O Passado foi especial
E me traz lembranças bonitas.

O doloroso do Passado
É saber que ele está vivo;
Que em sua veia
Segue sangue novo, incessantemente.

O tempo não pára
Para que o Passado se mantenha belo e intacto
Como alguns gostariam... como eu gostaria!
O tempo corre, voa, foge das nossas mãos.

Olhei meu Passado e,
Triste,
Percebi que ele havia construído um
Presente
Sólido, estável, feliz.

As lembranças do que fomos,
Eu e meu Passado, tão doce,
Eram apenas lembranças
De tempos que não voltam, e que ficaram para trás.

Passado tão bonito
Construído sob a manta dos sonhos encantados
Onde existem princesas e príncipes
Apaixonados e eternamente “enfeitiçados” uns pelos outros.

A vida, às vezes tão dura, tão fria,
Tão real, trouxe-me o Presente, que
Me obrigou a ver que contos de fadas
Não têm sempre, nem para sempre, um final feliz.

Apesar de toda dor,
Meu Presente ensinou-me
Algo que eu já devia saber
Mas que não ousara falar nem para mim mesma, até então.

Meu Passado existe,
Tem nome, idade e qualidades imensuráveis;
Mas é o meu Presente, meu doce e atual Presente,
Que me traz a felicidade das histórias de amor em que acreditei, outrora.

Quantas surpresas a vida nos oferece
A cada dia,
Em cada parada de ônibus,
Curvas e ruas!

Na hora que te toquei com os dedos do meu coração,
Ó, Passado, eu chorei.
Chorei as mágoas que ficaram
E as histórias que não se concretizaram.

Depois, mais tranqüila,
Fechei os olhos e pude ver,
Que meu Passado já passou
E que isto é maravilhoso.

Com o Passado passado a limpo
Pude entender e valorizar
O Presente especial que ganhei do Universo.
Um Presente que me acompanha, hoje, e que me faz feliz.

Peço-te desculpas, então, meu Passado,
Porquê chorei e te acusei de me esquecer,
De me deixar “para trás”,
De não lembrar-se de mim.

Compreendo, agora, que não posso controlar o Passado,
Porquê este não me pertence mais.
Tenho às mãos, agora, um Presente,
Que aceito de coração e alma abertos, feliz.

Nossos Presentes, querido Passado,
Parecem feitos “sob encomenda” para cada um de nós.
São, de fato, presentes que a vida ofereceu
E novas chances de construirmos um romance real, não ideal.

Porque o “ideal” é aquilo que está distante
Que quase inexiste, de tão perfeito que parece ser.
O ideal é o Passado que não se concretizou e que,
Talvez concretizado, tivesse tornado-se apenas um Presente idealizado e frustrado.

Obrigada, meu amado Passado,
Pelo abraço, pelo carinho, pelo cuidado.
Obrigada, também, por ensinar-me, mais uma vez,
O valor deste meu Presente, tão especial.

Te admiro, meu Passado,
E te amo com todas as forças do meu ser.
Mas és passado...
E, assim sendo, me despeço de você, para viver e escrever, agora,
O meu Presente,
Que será lindo, será belo,
E intensamente real!

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Palavras tristes...


Palavras tristes...
(À Maycon)

"A saudade que sinto de você, desde já,
é algo como uma roupa de espinhos
que me veste, inteira,
cabeça, tronco, coração,
arrancando lágrimas cor de sangue.
A ausência do teu abraço,
da tua presença...
até a ausência da tua ausência,
quando sei que estais por perto...
sinto saudades de tudo isto.

É um sentimento tão forte,
tão grande,
que dói bem fundo,
dentro, fora,
por todos os lados que me compõem...

Teu sorriso, teu carinho,
teu 'bom dia', ao amanhescer.
De tudo sinto falta. Falta
um pedaço de mim.

Uma parte especial
do que sou e sinto
está em você, com você,
e te fará companhia quando desejar.

Uma parte de você também ficou para mim.
E eu a carrego
como amuleto,
dentro do peito,
no fundo dos olhos molhados e
nos dedos das minhas mãos".

(Natalie Dowsley)

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Ignorância

O absurdo que revela ignorância
(Natalie S. Dowsley)

Nem todas as pessoas são "obrigadas" a conhecer, ao menos um pouco, sobre violências contra crianças, adolescentes, mulheres, idosos...

Contudo, a pessoa que deseja tornar-se PSICÓLOGO, precisa, com urgência e relativa profundidade, saber sobre tais assuntos. Isto porquê existem muitos mitos, muitos conceitos populares que abordam de forma inadequada e inverídica a questão da violência.

Em um fato recente, que mexeu com questões delicadas na sociedade recifense, um professor de natação foi acusado de molestar sexualmente uma ex-aluna, há cerca de 12 anos atrás.

Em uma carta enviada à impressa, o acusado diz:
"Qualquer pessoa do povo sabe perfeitamente que nenhuma vítima, nenhuma mãe, nenhum pai, demoraria 12 anos para denunciar um crime praticado contra sua pessoa, ou contra sua filha. Isso é muito estranho, muito estranho mesmo".
Que o acusado diga uma frase assim, é esperado, claro! Ele está tentando se defender...
Que a sociedade, como ele aponta, não acredite que uma garota possa demorar 12 anos para conseguir denunciar o abuso sofrido, também é esperado, pois ainda vivemos em uma sociedade machista e bastante hipócrita...
Absurdo é estudantes e profissionais de Psicologia, pessoas conhecedoras das dores humanas, dos conflitos que todos vivemos, da capacidade que a mente possui de "recalcar" informações, "escondendo-as" em algum cantinho dentro do homem... absurdo é que estas pessoas concordem e reafirmem as palavras do educador físico.

Não estou, aqui, afirmando que o mesmo é culpado ou inocente. Não possuo mérito para julgá-lo.

Estou dizendo apenas que:

é possível, sim, que, uma menina abusada sexualmente por uma figura de extrema confiança, muito bem relacionada com os pais da vítima (como a maior parte dos abusadores!), tenha tentado, na época, expressar aos pais o que se passava e, talvez, não tenha conseguido - por medo destes não acreditarem, achando que era uma "mentirinha", ou porque os pais não levaram a sério os sinais que a criança lhes fornecia... É extremamente possível que, após anos de terapia, iniciando possivelmente a vida sexual, as lembranças dos abusos tenham voltado à tona, trazendo muita dor e sofrimento...só que, agora, não havia mais "só uma garotinha assustada", e sim uma mulher madura, sábia, querendo "dar a volta por cima" e ser feliz.

Quem sofre violências sexuais ainda quando criança pode nunca revelar este fato... ou só fazê-lo após muitos anos, quando já se sentem seguros e confiantes, fortes para aguentar o estigma que carregarão.

Para os que "só acreditam vendo", posso citar casos conhecidos, publicados em uma matéria da Revista MTV, que revela personagens famosos que só quando adultos falaram sobre suas experiências traumáticas. É o caso de Madonna, cantora, que, segundo Christopher Andersen, autor da biografia não-autorizada da estrela, ao terminar de gravar uma cena de estupro no filme
"Um Certo Sacrifício", foi parabenizada pela excelente atuação, bastante verossímil. Ao elogio, Madonna teria dito: "Já passei por essa situação na vida real". Ela foi estuprada por um homem mais velho, em um porão de restaurante, antes de tornar-se conhecida no meio artístico, quando era só uma menina.
Uma pessoa bastante admirada e respeitada no campo musical é o guitarrista Santana. Apenas recentemente ele resolveu derrubar os muros de silêncio e relatar que, na infância, sofreu abuso sexual. Santana relata: "Eu tinha raiva, vergonha e agora que falei sobre isso estou livre, não é mais uma coisa que carrego comigo".
Joanna disse, em entrevista à Gazeta Esportiva, em fevereiro de 2008, algo bastante parecido: "(...) depois do tratamento comecei a pesquisar as conseqüências e via que muito da minha personalidade, muito da minha "agressividade" vinha daí. Durante o tratamento, melhorei bastante. As pessoas mais próximas sentem essa diferença, e nas outras áreas da minha vida, tudo vem melhorando, vem clareando. A tempestade passou. Eu tinha duas opções: ou vivia presa a esse triste episódio ou dava a cara à tapa e me tratava. A segunda opção foi muito melhor pra mim".

O abuso sexual é muito triste. E é muito triste, também, ver e ouvir colegas de profissão julgarem que Joanna, se tivesse sido abusada, teria falado há 12 anos atrás. Um desaforo difícil de engolir! Imagine o que uma vítima de violência sexual deve sentir ao tomar conhecimento de tais comentários?

A Roupa Nova do Rei


“A ROUPA NOVA DO REI ou REFLEXÕES SOBRE O QUE NÃO QUEREMOS VER”
Homero Reis

Era uma vez – toda boa história começa assim - um reino.
Um reino governado por um rei muito vaidoso que gastava todas as riquezas do reino com sua vaidade. Carros, jóias, viagens, massagens, banhos florais, plásticas e tudo o mais que pudesse fazer algum efeito em sua aparência. Mas, de tudo isso, o que ele mais gostava eram as roupas. Seu guarda-roupa vivia entulhado das mais finas e caras peças da moda. Aliás, isso era motivo de críticas severas de todos os seus assessores, sem falar dos inimigos políticos, que viam nessa prática bons motivos para desqualificá-lo.
O povo sofria com a falta de recursos, porque todas as riquezas eram gastas com a vaidade do rei e as coisas que precisavam ser feitas, não o eram. Mas, no fundo, no fundo, ele não era um mau rei. Desorientado, talvez!
Um dia, dois espertalhões, sabedores das loucuras desmedidas do rei por causa de sua vaidade apresentaram-se no palácio real como sendo grandes costureiros de uma longínqua terra mágica. Diziam-se capazes de fazer a mais bela de todas as roupas, uma roupa tão perfeita que tornava quem a usasse, incomparavelmente belo. O rei logo se interessou pelo assunto. Com uma roupa dessas ele seria muito mais feliz.
Assim, sem mais delongas, tratou de contratar os costureiros mágicos encomendando a mais bela e cara de todas as roupas. Assim, os costureiros começaram logo a trabalhar. Depois de tirar as medidas reais, passaram a produzir a tal roupa, trabalhando todos os dias com afinco e determinação, numa produção secreta de fazer inveja a qualquer trabalhador. O rei estava ficando ansioso porque o tempo estava passando e nada da roupa ficar pronta. O reino também estava vivendo a grande expectativa do dia em que o rei haveria de se apresentar vestido de tal beleza. Tamanha era a ansiedade que, um dia, o rei resolveu ir ver o que faziam os costureiros e em que pé estava a produção de sua roupa. Foi até o atelier e surpreendeu-se ao ver que nada estava sendo produzido. Não avistara nem um carretel de linha sequer. Não havia nem um botãozinho pra contar história. Imediatamente, cheio de raiva e frustração, foi ter com os costureiros para exigir deles uma explicação para aquilo.
- Senhores, disse o rei, como pode ser isso? Contratei-os para cozer uma roupa real, mágica e bela, mas vejo que nada está sendo feito!
- Perdoe-nos, Vossa Alteza, disseram os costureiros, mas tudo está sendo feito a seu tempo. Aliás, estamos adiantados na confecção de sua roupa mágica e podemos lhe assegurar que é a mais bela de todos os tempos.
- Como, se não encontrei nada no atelier?
- Sim, Excelência, porque a roupa está guardada em local seguro e, além do mais, por ser uma roupa mágica, só pode ser vista por pessoas inteligentes. Venha, vamos mostrá-la ao Senhor, embora isso não devesse ser feito antes de concluirmos os trabalhos.
Assim, levaram o rei a uma sala onde nada existia e, com enorme maestria, começaram a mostrar tecido que não se via, linha que não se via, desenhos e modelos que não se viam.
- Veja, Vossa Alteza, que belo recorte temos aqui. Certamente, sendo Vossa Alteza muitíssimo inteligente, pode perceber como ficou bonito esse detalhe nas mangas, esse corte no colarinho, essa combinação de cores.
O rei, como pessoa inteligente, passou a ver tudo, cores, tecidos, modelos...
Enfim, ficou pronta a roupa. Todo o reino estava ansioso por vê-la. O rei, orgulhoso de sua roupa, mandou que se fizesse uma festa nacional onde ele, vestindo a roupa mágica, iria desfilar para todos os súditos. Também deveria ser explicado que a roupa só poderia ser vista por pessoas que fossem inteligentes.
Os costureiros, depois de receberem uma fortuna pelo trabalho, entregaram a roupa mágica e partiram sem nunca mais serem vistos.
Dia da festa. Povo reunido, o rei vestindo a roupa que não se via, sai pelas ruas da cidade ostentando sua mais nova aquisição. Todos aplaudem e comentam sobre a beleza da roupa.
- Como ficou bem, diziam uns; que belas cores, afirmavam outros; que bom gosto, comentavam.
E transcorria a festa, repleta de gente e de comentários “inteligentes”. Até que, de repente, um súdito menos avisado, insurge na multidão e, percebendo toda a trama, grita: O REI ESTÁ NU!
Imediatamente, todos percebem o papel ridículo que estavam fazendo e o rei, ao contemplar sua nudez, descobre quão insensato estava sendo em sua vaidade.

Abuso Sexual



Sexualidade e Silêncio
(Natalie S. Dowsley)

Sexualidade e silêncio. Estes são os principais ingredientes da sociedade contemporânea ocidental. Talvez em nenhum outro momento da história da civilização, a sexualidade tenha sido tão abordada, às claras, como atualmente.
Novelas, filmes, músicas e clipes, propagandas - em especial, de cerveja, cigarro, carro; a sexualidade é tema constante, algumas vezes posto "indiretamente"; em outros tantos casos - a maioria! - a sexualidade assume o ponto central das obras... todo o "resto" - a música, a cerveja, a dramaturgia... - gira em torno, deixando de ser "foco" e tornando-se "fundo".
A rede mundial de computadores tornou possível o que antes fora o sonho de muitos: acessar informações sobre todos os assuntos, pesquisar conceitos de vários autores, ler livros - os de domínio público - sem ter que comprá-los, conhecer pessoas de todo o mundo, se comunicando com agilidade e eficiência.

As crianças e adolescentes estão crescendo, neste momento, em meio a toda esta "abertura". Crescem vendo e convivendo, na internet, na televisão, nos outdoors, com a sexualidade. Pensam, conversam e praticam sexo com mais naturalidade, menos pudor - nem sempre com mais responsabilidade (mas está é outra questão!).

Apesar de mergulhadas no tema, crianças e adolescentes não costumam desenvolver diálogos abertos, com pais, professores, parentes próximos, sobre sua própria sexualidade. Crescem sabendo que a sexualidade existe, mas não sabem o que fazer com a sexualidade quando ela floresce em seus próprios corpos...

Os adultos, que cresceram em um contexto social diferente, não sentem-se à vontade para abordar o tema com os filhos; as escolas, por sua vez, temem falar sobre o assunto e despertar a curiosidade a respeito de "algo" que ainda encontrava-se em estado de latência.

O grande problema surge assim.

Falar sobre o uso do próprio corpo, o local onde vivemos nossa sexualidade através dos toques, dos abraços, dos beijos, carinhos, masturbação, relações sexuais, é essencial!

Sendo tratado com tamanha divergência, o tema tornou-se público... só que, agora, ainda havendo "pudor", tornou-se apenas um "tema proibido bem difundido".

Somos seres sexualizados. Bebês, ainda mamando, podem ter ereções. Crianças, após descobrirem a mãozinha, o pezinho, também descobrem o "pintinho". Nada mais natural! Alguns pais se desesperam, ficam horrorizados, preocupados... mas, estas são descobertas sexuais saudáveis.

O que não é saudável, e que vem acontecendo com freqüência, é a descoberta da sexualidade da criança e do adolescente através de coerção, de medo, de uso de poder. Abusos sexuais.

Este tipo de violência sempre existiu nas sociedades. Não tenho, aqui, a pretensão de abordar o tema como algo "novo". A intenção é, ao contrário, falar de algo antigo, mas que persiste ao longo das gerações, causando transtornos a muitas famílias.

A maior parte dos abusos sexuais, cerca de 90%, acontecem através de alguém que reside com a vítima (pais, mães, tios, avôs, primos, irmãos, padrastos, madrastas...). Por isso, as escolas têm um papel fundamental na abordagem do tema com seus alunos, desde muito cedo. O tema "sexualidade" pode e deve ser abordado em todas as idades, cuidando-se, apenas, em adequar a linguagem e a forma de transmitir o "recado".

Os abusos também podem acontecer fora de casa, por um vizinho(a), um(a) professor(a) de natação, um estudante da mesma escola... Os pais, por isto, devem também atuar na abordagem sobre a sexualidade, buscando deixar claro aos seus filhos que seus corpos pertencem apenas a eles mesmos, e que, sendo assim, ninguém pode fazer com eles o que eles não desejarem. Além disto, os pais devem esclarescer que existem partes de seus corpos que devem ser protegidas, pois são áreas especiais, áreas de prazer, e que existem pessoas que se aproveitam de crianças e adolescentes, enganando-as, iludindo-as, com o único intuito de obter prazer próprio através do corpo das suas vítimas.

Casos conhecidos do público podem ser levados para casa e para a escola, como estímulo para o diálogo sobre o assunto. Casos como o da nadadora Joanna Maranhão, em Recife/PE, e da garota austríaca, que ficou 24 anos presa no porão de sua casa, encarcerada e abusada pelo pai, de quem engravidou 7 vezes.

Se as crianças e adolescentes souberem de seus direitos; se sentirem confiança nos pais e/ou professores para contar-lhes situações "estranhas", sem medo de achar que os "adultos" dirão se tratar de "fantasias" ou "mentirinhas"; se existe consciência de que o meu corpo é só meu, e sou eu quem decido o que vou fazer, ou deixar que façam, com ele; com estas certezas, muitas pessoas poderão se esquivar de abusos, de violências, crescendo mais seguras de si, com a auto-estima preservada, longe dos pesadelos e das dores, das marcas e lembranças que ficam após a vivência de abusos sexual.

Os pássaros...

Como pássaros...
(Natalie Dowsley)

À distância, vejo um pássaro.
Alto, longe, veloz.
Sua dança é especial,
como suas cores, seus sons...
Junto ao pássaro que vejo,
vejo outros tantos pássaros,
que também valsam no céu,
e cantam canções de amor.
Enganam meus olhos, os pássaros.
Eles parecem iguais, de longe.
Há!, se eu não me atento para os detalhes!...
Os detalhes,
que são tudo o que há de mais importante.
Os detalhes,
que compõem cada peça,
cada passo, de cada ser no mundo.
Os pássaros voam juntos,
mas não são os mesmos nuvens após nuvens.
Todos mudam,
o tempo todo, todo tempo...
E, diferentes entre si,
e diferentes de si mesmos,
seguem os pássaros,
em suas viagens,
em suas canções,
em suas valsas.
Danço com os olhos, admiro-os;
levanto-me e sigo caminhando,
cantando minhas canções,
dançando as músicas do universo,
e deixando de ser o que sou,
a cada vôo,
a cada passo,
a cada curva...
sempre e involuntariamente.

Rita Apoena ... Agora em silêncio


Agora em silêncio
(Rita Apoena)

Sabe, acho que ninguém vai entender. Ou, se entender, não vai aprovar. Existe em nossa época um paradigma que diz: enquanto você me der carinho e cuidar de mim, eu vou amar você. Então, eu troco o meu amor por um punhado de carinho e boas ações. Isso a gente aprende desde a infância: se você for um bom menino, eu vou lhe dar um chocolate. Parece que ninguém é amado simplesmente pelo que é, por existir no mundo do jeito que for, mas pelo que faz em troca desse amor. E quando alguém, por alguma razão muito íntima, pára de dar carinho e corre para bem longe de você? A maioria das pessoas aperta um botão de desliga-amor, acionado pelo medo e sentimentos de abandono, e corre em direção aos braços mais quentinhos. E a história se repete: enquanto você fizer coisas por mim ou for assim eu vou amar você e ficar ao seu lado porque eu tenho de me amar em primeiro lugar. Mas que espécie de amor é esse? Na minha opinião, é um amor que não serve nem a si mesmo e nem ao outro.

Eu também tenho medo, dragões aterrorizantes que atacam de quando em quando, mas eu não acredito em nada disso. Quando eu saí de uma importante depressão, eu disse a mim mesma que o mundo no qual eu acreditava haveria de existir em algum lugar do planeta! Haveria de existir! Nem que este lugar fosse apenas dentro de mim... Mesmo que ele não existisse mais em canto algum, se eu, pelo menos, pudesse construi-lo em mim, como um templo das coisas mais bonitas que eu acredito, o mundo seria sim bonito e doce, o mundo seria cheio de amor e eu nunca mais ficaria doente. E, nesse mundo, ninguém precisa trocar amor por coisa alguma porque ele brota sozinho entre os dedos da mão e se alimenta do respirar, do contemplar o céu, do fechar os olhos na ventania e abrir os braços antes da chuva. Nesse mundo, as pessoas nunca se abandonam. Elas nunca vão embora porque a gente não foi um bom menino. Ou porque a gente ficou com os braços tão fraquinhos que não consegue mais abraçar e estar perto. Mesmo quando o outro vai embora, a gente não vai. A gente fica e faz um jardim, um banquinho cheio de almofadas coloridas e pede aos passarinhos não sujarem ali porque aquele é o banquinho do nosso amor, o nosso grande amigo. Para que ele saiba que, em qualquer tempo, em qualquer lugar, daqui a quantos anos, não sei, ele pode simplesmente voltar, sem mais explicações, para olhar o céu de mãos dadas.

No mundo de cá, as relações se dão na superfície. Eu fico sobre uma pedra no rio e, enquanto você estiver na outra, saudável, amoroso e alto-astral, nós nos amamos. Se você afundar, eu não mergulho para te dar a mão, eu pulo para outra pedra e começo outra relação superficial. Mas o que pode ser mais arrebatador nesse mundo do que o encontro entre duas pessoas? Para mim, reside aí todo o mistério da vida, a intenção mais genuína de um abraço. Encontrar alguém para encostar a ponta dos dedos no fundo do rio - é o máximo de encontro que pode existir, não mais que isso, nem mesmo no sexo. Encostar a ponta dos dedos no fundo do rio. E isso não é nada fácil, porque existem os dragões do abandono querendo, a todo instante, abocanhar os nossos braços e o nosso juízo. Mas se eu não atravessar isso agora, a minha arte será uma grande mentira, as minhas histórias de amor serão todas mentiras, o meu livrinho será uma grande mentira porque neles o que impera mais que tudo é a lealdade, feito um Sancho Pança atrás do seu louco Dom Quixote, é a certeza de existir um lugar, em algum canto do mundo, onde a gente é acolhido por um grande amigo. É por isso que eu tenho de ir. E porque eu não quero passar a minha existência pulando de pedra em pedra, tomando atalhos de relações humanas. Eu vou mergulhar com o meu amigo, ainda que eu tenha de ficar em silêncio, a cem metros de distância. Eu e o meu boneco de infância, porque no meu mundo a gente não abandona sequer os bonecos que foram nossos amigos um dia.

Agora em silêncio, tentando ensinar dragões a nadar.

Rita Apoena

Acerca del Viaje
Ilustração de Pablo Gamba, querido, querido, querido!

Donde quiera que el ómnibus me lleve
el sol acompaña mi rostro a través de la ventana
como un barrilete!
amarrado por la esperanza.

(Rita Apoena)

Sobre "Ensaio sobre a cegueira"


A Loucura é BrancaNatalie Dowsley
Cegos. (Sobre)Vivendo. Não em uma completa escuridão, mas em uma sufocante clareza, um branco luminoso, um “mar-de-leite”. Antes, enxergavam demais. Por causa disto, os olhos voltaram-se para dentro; o que era caos virou brancura... ainda mais caótica. Esta é a cegueira descrita por José Saramago, em sua obra “Ensaio Sobre a Cegueira”. Esta é a cegueira que vejo nos hospitais psiquiátricos...
Tomados por uma doença “misteriosa”, que surgiu de repente, temerosamente considerada contagiosa: este foi o “laudo” que a sociedade ofereceu para os primeiros cegos da cidade sem nome, revelada por Saramago. Relendo estas palavras não é difícil perceber a semelhante experiência daqueles que têm a alma, a psiquê – ou qualquer outra palavra que o leitor prefira utilizar – adoecida. Viver a exclusão não é fácil... e dessa dor a cegeueira ou, para ser mais clara, a loucura, não os protege.
Com a cegueira branca, encarcerados pela discriminação, os homens e mulheres e crianças foram “jogados” num manicômio – coincidência? – , passando a viver o extremo de tudo o que nos é possível: o extremo da fome – de comida, bebida, afeto, respeito; o extremo do descaso – consigo mesmo e com o outro; o extremo do egocentrismo, da ganância; o extremo da dor, sobretudo da dor.
Afogados na brancura do mar de leite, as pessoas cegas não conseguiam enxergar o porquê de assim estarem. Passaram a se apoiar nos olhos de quem melhor enxergava a situação. Com esta pessoa, passaram a se sentir protegidos, mais seguros, ao mesmo tempo em que se viam convidados a desafiar a apatia, a buscar ter de volta as suas vidas, a autonomia, a força, a energia necessária para abrir os olhos e enxergar além da cegueira.
Nós, psicólogos, estamos, muitas vezes, diante de cegos mergulhados nesta branca neblina que é a loucura. Somos, ou ao menos devemos ser, aqueles que, naquele momento, enxergam melhor, mas que não usam os olhos para violentar os que não vêem ou para, simplesmente, fazer por eles o que eles têm que fazer por si...
Nossos olhos devem enxergar muito bem, como os olhos da “mulher do médico”. Devem ver além das paredes, da miséria, do sofrimento. Vendo, devemos ajudar outros a verem. Devemos fazê-los tocar em seus próprios muros e, devagar, irem caminhando até a porta da própria mente, para que, no momento certo, ela possa ser aberta, com força, dor e gasto de energia... mas trazendo a mais plena força de enxergar, permitindo que o branco que mascara, dê lugar a todas as cores que fazem parte da vida, deixando que os olhos voltem a ver com plenitude, sem fugir ou temer o que se é e o que se pode ser.

Bobo?

O Bobo da Corte

O bobo é um tipo popular. Existe o bobo por conveniência; o bobo por esquecimento; o bobo que gosta de fazer os outros de bobos, e assim por diante. Ultimamente apareceu até um samba que diz – “tem bobo pra tudo”. Mas o bobo de que vou falar agora é o bobo clássico da corte.
Houve um tempo em que os reis e nobres tinham para seu gáudio um bobo ou truão. O papel que exercia era o de contar pilhérias ou outras histórias cômicas, de divertir os seus amos. Muitos desses bobos, porém, eram dotados de um espírito aguçado e não raras vezes davam respostas que deixavam aturdidos seus interlocutores.
Conta-se, por exemplo, a história de um soberano da Saxônia que, querendo se divertir com o seu bobo, convidou-o a um dia tomar parte num banquete real. Chamou os seus copeiros e lhes ordenou que não pusessem nenhuma colher no local destinado ao bobo.
Ao ser servida a sopa, o rei, em voz alta, disse:
– Fiquem todos sabendo que é um grande asno aquele que não tomar a sopa. O bobo verificou que não lhe haviam colocado a colher. Não se perturbou. Tomando o canto de um pão cavou todo o miolo, espetando em seguida a um garfo. Com a colher assim improvisada tomou calmamente a sopa diante da estupefação geral.
Depois, levantando-se e em voz alta, dirigiu-se aos comensais e disse:
– Fiquem agora sabendo que é um grande imbecil e asno todo aquele que não comer a sua colher como eu estou fazendo; e, dizendo isso, foi comendo o pão que lhe servira de colher.

Reinaldo Rodrigues, em A Voz do Cambuci.

Não ao Abuso Sexual!

Violência sexual não tem desculpa.
A defesa de nossas crianças e adolescentes está em suas mãos, denuncie!

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O meu olhar...

O Meu Olhar

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

(Fernando Pessoa, como Alberto Caeiro).

Bom dia, todas as cores!

Bom Dia, Todas as Cores!

Meu amigo Camaleão acordou de bom humor.
- Bom dia, sol, bom dia, flores,bom dia, todas as cores!

Lavou o rosto numa folha
Cheia de orvalho, mudou sua cor
Para a cor-de-rosa, que ele achava
A mais bonita de todas, e saiu para
O sol, contente da vida.

Meu amigo Camaleão estava feliz
Porque tinha chegado a primavera.
E o sol, finalmente, depois de
Um inverno longo e frio, brilhava,
Alegre, no céu.
- Eu hoje estou de bem com a vida
- Ele disse. - quero ser bonzinhoPra todo mundo...

Logo que saiu de casa,
O Camaleão encontrou
O professor pernilongo.
O professor pernilongo toca
Violino na orquestra
Do Teatro Florestal.
- Bom dia, professor!Como vai o senhor?
- Bom dia, Camaleão!Mas o que é isso, meu irmão?Por que é que mudou de cor?Essa cor não lhe cai bem...Olhe para o azul do céu.Por que não fica azul também?
O Camaleão,
Amável como ele era,
Resolveu ficar azul
Como o céu da primavera...

Até que numa clareira
O Camaleão encontrou
O sabiá-laranjeira:
- Meu amigo Camaleão,Muito bom dia e você!Mas que cor é essa agora?O amigo está azul por quê?E o sabiá explicouQue a cor mais linda do mundoEra a cor alaranjada,Cor de laranja, dourada.
Nosso amigo, bem depressa,
Resolveu mudar de cor.
Ficou logo alaranjado,Louro, laranja, dourado.
E cantando, alegremente,
Lá se foi, ainda contente...

Na pracinha da floresta,
Saindo da capelinha,
Vinha o senhor louva-a-deus,
Mais a família inteirinha.
Ele é um senhor muito sério,
Que não gosta de gracinha.
- bom dia, Camaleão!Que cor mais escandalosa!Parece até fantasiaPra baile de carnaval...Você devia arranjarUma cor mais natural...Veja o verde da folhagem...Veja o verde da campina...Você devia fazerO que a natureza ensina.
É claro que o nosso amigo
Resolveu mudar de cor.
Ficou logo bem verdinho.
E foi pelo seu caminho...

Vocês agora já sabem como era o Camaleão.
Bastava que alguém falasse, mudava de opinião.
Ficava roxo, amarelo, ficava cor-de-pavão.
Ficava de toda cor. Não sabia dizer NÃO.
Por isso, naquele dia, cada vez que
Se encontrava com algum de seus amigos,
E que o amigo estranhava a cor com que ele estava...
Adivinha o que fazia o nosso
Camaleão.
Pois ele logo mudava, mudava para outro tom...
Mudou de rosa para azul.
De azul para alaranjado.
De laranja para verde.
De verde para encarnado.
Mudou de preto para branco.
De branco virou roxinho.
De roxo para amarelo.
E até para cor de vinho...

Quando o sol começou a se pôr no horizonte,
Camaleão resolveu voltar para casa.
Estava cansado do longo passeio
E mais cansado ainda de tantomudar de cor.
Entrou na sua casinha.
Deitou para descansar.
E lá ficou a pensar:
- Por mais que a gente se esforce,Não pode agradar a todos. Alguns gostam de farofa.Outros preferem farelo...Uns querem comer maçã.Outros preferem marmelo...Tem quem goste de sapato.Tem quem goste de chinelo...E se não fossem os gostos,Que seria do amarelo?

Por isso, no outro dia,
Camaleão levantou-seBem cedinho.
- Bom dia, sol, bom dia, flores,Bom dia, todas as cores!
Lavou o rosto numa folha
Cheia de orvalho,
Mudou sua cor para
A cor-de-rosa, que ele
Achava a mais bonita
De todas, e saiu para
O sol, contente
Da vida.

Logo que saiu,
Camaleão encontrou o sapo cururu,
Que é cantor de sucesso na Rádio Jovem Floresta.
- Bom dia, meu caro sapo! Que dia mais lindo, não?
- Muito bom dia, amigo Camaleão!Mais que cor mais engraçada,Antiga, tão desbotada...Por que é que você não usaUma cor mais avançada?
O Camaleão sorriu e disse para o seu amigo:

- Eu uso as cores que eu gosto,
E com isso faço bem.
Eu gosto dos bons conselhos,
Mas faço o que me convém.
Quem não agrada a si mesmo,
Não pode agradar ninguém...

E assim aconteceu
O que acabei de contar.
Se gostaram, muito bem!
Se não gostaram, AZAR!

(Ruth Rocha)

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Comunicação!


Pessoa!

O Louco

E fala aos constelados céus
De trás das mágoas e das grades
Talvez com sonhos como os meus ...
Talvez, meu Deus!, com que verdades!
As grades de uma cela estreita
Separam-no de céu e terra...
Às grades mãos humanas deita
E com voz não humana berra...

Fernando Pessoa - "Poesias Inéditas"

Minha Maria...

Minha Maria

Era uma vez uma menina que sonhava muito. Todo dia, toda hora, a cada piscar de olhos. Maria não sabia parar de sonhar! E também não sabia como fazer o sonho se tornar realidade...

Para Maria, isso era um grande problema! Cada dia que passava, sua "caixinha de sonhos" estava ainda mais cheia... mas, eram tantos, eram tão grandes os sonhos, que Maria, desesperada, paralisava! "O que posso fazer com tantos sonhos, tantos sonhos grandiosos?!"

Maria pensava muito, muito mesmo!

Um dia, como aquele dia em que Alice mergulhou em seus sonhos, no buraco quase infinito que era ela mesma, Maria percebeu que o mundo não pára!

Pode parecer bobagem, coisa óbvia. Mas, na verdade, não é tão óbvio assim... pelo menos, não para Maria!

Ela sorriu, achando graça ao pensar que a Terra estava, naquele momento, girando, e que nem ao menos sabia se o Brasil é que estava de ponta cabeça, ou se eram os chineses que estavam pendurados pelos pés, presos pela força gravitacional.

Maria ficou pensando... nada está em inércia total! Os físicos não sabiam disso?! Como pode algo ficar totalmente inerte, estando envolto por este mundo enooorme, cheio de gente, cheio de sensações, de aromas, de canções, de silêncios?...

Mesmo quando Maria estava deitada em sua cama, sonhando e sonhando, ela não estava "parada"... só não estava se mexendo o suficiente pros sonhos saírem da cabeça dela e se materializarem no lado de fora de si mesma.

Maria, pensando em como era boba por nunca ter pensado nisto, sorriu. Sabia, agora, que precisava gastar ainda mais energia em suas empreitadas diárias relacionadas aos seus sonhos. Maria descobriu que precisava fazer mais! Agir mais! Pôr em prática!

Maria, então, parou de sorrir. Descobriu, neste minuto, que era uma tarefa um tanto difícil pra ela... não se sabe porquê...

A garota enxugou duas ou três lágrimas, que caíram do universo imenso de pensamentos que ocorriam naquele instante em Maria; levantou-se da cama e resolveu começar a agir.

Ela sabia que precisava começar a aprender a agir, sem a pressa que a ansiedade lhe impunha.

Maria sabia que tinha, agora, muitas coisas para melhorar em si mesma, muitas coisas para "crescer".

Ela estava feliz, de um jeito estranho, desconhecido... mas, feliz.

Maria sabia que, agora, o mundo dela seria mais colorido, porquê agora não reinam apenas sonhos; residem sonhos, ações e canções.

(Natalie Dowsley)