sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Ignorância

O absurdo que revela ignorância
(Natalie S. Dowsley)

Nem todas as pessoas são "obrigadas" a conhecer, ao menos um pouco, sobre violências contra crianças, adolescentes, mulheres, idosos...

Contudo, a pessoa que deseja tornar-se PSICÓLOGO, precisa, com urgência e relativa profundidade, saber sobre tais assuntos. Isto porquê existem muitos mitos, muitos conceitos populares que abordam de forma inadequada e inverídica a questão da violência.

Em um fato recente, que mexeu com questões delicadas na sociedade recifense, um professor de natação foi acusado de molestar sexualmente uma ex-aluna, há cerca de 12 anos atrás.

Em uma carta enviada à impressa, o acusado diz:
"Qualquer pessoa do povo sabe perfeitamente que nenhuma vítima, nenhuma mãe, nenhum pai, demoraria 12 anos para denunciar um crime praticado contra sua pessoa, ou contra sua filha. Isso é muito estranho, muito estranho mesmo".
Que o acusado diga uma frase assim, é esperado, claro! Ele está tentando se defender...
Que a sociedade, como ele aponta, não acredite que uma garota possa demorar 12 anos para conseguir denunciar o abuso sofrido, também é esperado, pois ainda vivemos em uma sociedade machista e bastante hipócrita...
Absurdo é estudantes e profissionais de Psicologia, pessoas conhecedoras das dores humanas, dos conflitos que todos vivemos, da capacidade que a mente possui de "recalcar" informações, "escondendo-as" em algum cantinho dentro do homem... absurdo é que estas pessoas concordem e reafirmem as palavras do educador físico.

Não estou, aqui, afirmando que o mesmo é culpado ou inocente. Não possuo mérito para julgá-lo.

Estou dizendo apenas que:

é possível, sim, que, uma menina abusada sexualmente por uma figura de extrema confiança, muito bem relacionada com os pais da vítima (como a maior parte dos abusadores!), tenha tentado, na época, expressar aos pais o que se passava e, talvez, não tenha conseguido - por medo destes não acreditarem, achando que era uma "mentirinha", ou porque os pais não levaram a sério os sinais que a criança lhes fornecia... É extremamente possível que, após anos de terapia, iniciando possivelmente a vida sexual, as lembranças dos abusos tenham voltado à tona, trazendo muita dor e sofrimento...só que, agora, não havia mais "só uma garotinha assustada", e sim uma mulher madura, sábia, querendo "dar a volta por cima" e ser feliz.

Quem sofre violências sexuais ainda quando criança pode nunca revelar este fato... ou só fazê-lo após muitos anos, quando já se sentem seguros e confiantes, fortes para aguentar o estigma que carregarão.

Para os que "só acreditam vendo", posso citar casos conhecidos, publicados em uma matéria da Revista MTV, que revela personagens famosos que só quando adultos falaram sobre suas experiências traumáticas. É o caso de Madonna, cantora, que, segundo Christopher Andersen, autor da biografia não-autorizada da estrela, ao terminar de gravar uma cena de estupro no filme
"Um Certo Sacrifício", foi parabenizada pela excelente atuação, bastante verossímil. Ao elogio, Madonna teria dito: "Já passei por essa situação na vida real". Ela foi estuprada por um homem mais velho, em um porão de restaurante, antes de tornar-se conhecida no meio artístico, quando era só uma menina.
Uma pessoa bastante admirada e respeitada no campo musical é o guitarrista Santana. Apenas recentemente ele resolveu derrubar os muros de silêncio e relatar que, na infância, sofreu abuso sexual. Santana relata: "Eu tinha raiva, vergonha e agora que falei sobre isso estou livre, não é mais uma coisa que carrego comigo".
Joanna disse, em entrevista à Gazeta Esportiva, em fevereiro de 2008, algo bastante parecido: "(...) depois do tratamento comecei a pesquisar as conseqüências e via que muito da minha personalidade, muito da minha "agressividade" vinha daí. Durante o tratamento, melhorei bastante. As pessoas mais próximas sentem essa diferença, e nas outras áreas da minha vida, tudo vem melhorando, vem clareando. A tempestade passou. Eu tinha duas opções: ou vivia presa a esse triste episódio ou dava a cara à tapa e me tratava. A segunda opção foi muito melhor pra mim".

O abuso sexual é muito triste. E é muito triste, também, ver e ouvir colegas de profissão julgarem que Joanna, se tivesse sido abusada, teria falado há 12 anos atrás. Um desaforo difícil de engolir! Imagine o que uma vítima de violência sexual deve sentir ao tomar conhecimento de tais comentários?

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