quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

O que carrego comigo

O que carrego comigo

O peso que carrego
Há anos e anos
Não é feito de malas e
Problemas...

Arrasto, comigo,
Como parte que me compõe –
Uma parte que não me orgulho expor –
Um filho, uma família inteira!

Pai, mãe e filhos,
Nascidos de um mesmo dilema;
Frutos de mesmas dores,
Partos interrompidos pelo cansaço da caminhada.

Carrego comigo,
Não nas costas ou nas mãos,
Um mundo de pessoas
Familiarmente desconhecidas...

Os ombros seguem leves
E enganam os desavisados.
Até o espelho, inocente,
Se espanta justamente quando vê os olhos inchados.

O peso que arrasto
Segue-me como sombra
Entrelaçando minhas pernas
Deixando-me às vezes tonta.

Preenche-se como fosse
Um filho no ventre-invólucro
E abraça meus quadris
Como quem resiste em nascer.

Caminho pra onde posso
Levando comigo o filho abortado
Que não morrera...
Mas, também, não nascera...

Coloco o rebento para dormir
Na esperança de alcançar um minuto de paz.
Minhas pernas doem, cansadas,
E minh’alma segue, atroz.

Lutando para manter-me de pé,
A criança, hoje adulta,
Cresce cada dia mais
E me toma por inteira: cabeça, corpo, garganta.

Sei que para viver
Precisarei abdicar:
Ou vives tu, pequeno herdeiro do caos,
Ou vivo eu, beirando a loucura do cais...

Matar-te é destruir parte de mim.
Matar-te é assassinar
E suicidar,
Com a mesma bala...

Por isso o dilema,
Por isso a tristeza!
Porque para viver preciso te matar...
E te matar é também morrer.

Tenho, então, que desejar interromper tua gestação
Não por mim, pelos sorrisos que nunca darei,
Mas sim por outra,
Que ainda há de nascer quando eu morrer.

Outra que ocupará este corpo
Onde antes eu e tu habitávamos.
Outra, que herdará o estrago
Que tuas mãos, pesadas, fizeram ao meu corpo, frágil...

Essa outra poderá consertar-me
E fazer-me mais feliz
Mesmo que eu não exista mais,
Mesmo que eu hesite demais...

A felicidade da outra que ainda não vive
Será também a felicidade da que hoje fito ao espelho.
E as duas, mesmo sem saberem,
Carregarão, para sempre, uma e outra, no peito.

As cicatrizes da primeira
Servirão como troféu para a segunda;
E a felicidade das duas se fará
Quando aquele filho, nauseabundo, se desintegrar...

E ele ficará apenas na lembrança
De duas mulheres que lhe ninaram em parceria:
Uma, emprestando-lhe o corpo, destruído pelo peso;
A outra, libertando-o e a si mesmo, com o amor-próprio e a sabedoria.

Natalie S. Dowsley.


p.s.: Para os desavisados: não é um texto "deprimente"; é um texto de LIBERTAÇÃO. Pode crê que é um texto feliz! ;)

Um comentário:

Patrícia disse...

LINDO!! As vezes abrir mão de algo em nós ou de "um de nós" é doloroso, sofrido, mas o novo ser que ousamos ser há de trazer o alendo para as dores e tornar a vida mais bela, mais leve, mais feliz!