sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Sobre "Ensaio sobre a lucidez"


Humanidade
(Natalie Dowsley)


A mulher do médico. Novamente, esta figura tão intensamente comum, cotidianamente real, surge nas páginas de Saramago.

Mais uma vez provoca, ao seu redor, mudanças; votos em branco? uma nova epidemia?; acredito que a grande mudança foi, de novo, a humanização dos personagens ao seu redor.

Quando digo "humanização", não quero dizer que, antes dela, cada personagem não houvesse componentes "humanos" - seria isto impossível! - nem quero dizer que apenas os bons comportamentos e pensamentos são parte da "natureza" humana...

Estou a dizer, apenas, que, pela segunda vez, a mulher do médico traz à tona os conflitos humanos, aqueles escondidos nas narrativas do dia-a-dia, na rotina da vida. A força desta mulher permite com que as fragilidades humanas reapareçam, com mais força, nas linhas das tantas histórias de vida reveladas. Suas palavras, sua força, suas lágrimas contidas, sua visão tão perspicaz... tudo isto permite com que as pessoas ao seu redor sejam enxergadas com maior profundidade... e que, mais importante, se enxerguem com mais intensidade, honestidade.

A lucidez não parece estar diretamente ligada às escolhas políticas de uma cidade; a lucidez parece ser a capacidade que algumas pessoas desenvolveram, após a esclarecedora e iluminadora cegueira branca, de enxergarem, verdadeiramente, sem vendas, sem máscaras, sem medos, a bela/triste/complexa/simples/real/mitológica "condição humana" - assim, puderam enxergar melhor a si mesmos, aos outros ao redor...

As escolhas, numa urna, parecem ser apenas uma das tantas mudanças que as pessoas desta cidade vêem realizando, dentro de si mesmas, há quatro anos...

Mudanças que podem ser vistas não apenas nos votos, mas no ato de varrer as próprias ruas, de agirem como o beija-flor no incêndio, cada uma a fazer uma parte, a que lhe cabe, contribuindo para o bem de todos.

A mudança "de fora", a lucidez nas ações com os outros e com o mundo, penso eu, estão claramente condicionadas às mudanças "de dentro".

Lúcidos, donos de suas próprias escolhas, ações, emoções, as pessoas da cidade desconhecida - mas, tão bela! - deixam lições valiosas para quem quiser conhecer melhor a própria humanidade... e humanizar-se ainda mais.


"(...) alegra-nos verificar que viu a luz, não a que o dito ministro quer que os votantes da capital vejam, mas a que os ditos votantes em branco esperam que alguém comece a ver."
(Saramago, Ensaio sobre a lucidez, p. 110 e 111).




















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