quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Sobre a VIDA!!!

Somos seres estranhos...
Geralmente, sofremos em estar próximos de pessoas que sofrem... o sofrimento alheio nos lembra a posiibilidade de nossos sofrimentos.
Quando alguém próximo adoece, doença grave e inesperada, nos assustamos. Não apenas pela doença do outro, por preocupação com sua vida... mas, também, por temermos nosso adoecimento, por nos preocuparmos com nossa vida. Não falo de doenças "contagiosas"; falo da contagiosidade que é a realidade da morte.
Estando doente, nos aproximamos do contato direto com a morte. Enxergamos, por mais difícil que seja, que a morte não é uma figura externa, personificada.
"Afinal, se a morte for uma entidade perseguidora, ainda poderemos encontrar uma forma de enganá-la; além disso, por mais assustador que um monstro que carrega a morte possa ser, ele é menos aterrorizante do que a verdade: a de que carregamos dentro de nós as sementes de nossa própria morte." (YALOM, 2007, p.13).
O contato com o adoecimento do outro nos remete à possibilidade do nosso adoecimento e do nosso "encontro" com a morte. Quando a doença é nossa, em geral, rápido ou mais lentamente, nos damos conta de que não conseguimos fugir da morte porque ela está em nós, e paramos de nos esquivar dela e de colocá-la como centro da situação: a vida assume um lugar de importância muitas vezes nunca vivido.
"Eu tentei ajudá-la a compreender que, embora a realidade da morte nos destrua, a idéia da morte pode nos salvar. Em outras palavras, nossa consciência da morte pode lançar uma perspectiva diferente sobre a vida e nos incitar a reorganizar nossas prioridades." (YALOM, 2007, p.122).
Essa compreensão sobre a vida, cheia de importância, em geral atinge aqueles que se encontram diretamente com sua morte. Saliento que, em minha opinião, esse contato não acontece apenas quando "quase morremos" por causa de doenças ou acidentes; muitas vezes deixa-se de viver por longos anos, devido a "doenças crônicas", como timidez excessiva, obesidade, etc, e, quando consegue-se superar isso, a vida recebe um novo significado: ela é curta demais pra perder mais tempo...

Mas, em geral, entramos em contato com a morte através de outras pessoas. Nesses casos, tendemos, em geral, a nos afastar: a morte do outro, ou sua possibilidade "iminente", - todos nós não vivemos potencialmente e iminentemente prontos para a morte? - nos fazem temer nossa morte, nosso adoecimento, a perda das nossas vidas.
Penso que é por isso que, muitas vezes, pacientes terminais vivem isolados: seus amigos e familiares se afastam, talvez inconscientemente, por medo da própria morte, medo do contato com essa verdade da qual fugimos todos os dias, adiando atividades para "amanhã": abraços, palavras de carinho, verdades duras, beijos desejados...
Os pacientes psiquiátricos também vivem isolados, especialmente aqueles internados. A realidade da "loucura" é ameaçadora para a maioria: revela nossa iminente possibilidade de adoecer também, de perder o "controle" sobre nossas vidas - temos esse controle?

"Se eu gritasse ninguém poderia fazer mais nada por mim; enquanto, se eu nunca revelar a minha carência, ninguém se assustará comigo e me ajudarão sem saber; mas só enquanto eu não assustar ninguém por ter saído dos regulamentos." (LISPECTOR, 1998, p. 63).
Adoecer é ter que assumir, involuntariamente, a nossa fragilidade eterna. E parece que assumir-se frágil é ameaçador; ser frágil é um passo para dizer-se MORTAL, e essa é uma palavra quase proibida em nossa cultura ocidental.
Em culturas orientais, a morte é falada com mais naturalidade e constância, desde tenra idade, levando a um contato mais tranqüilo e sincero com nossa fragilidade humana... embora a forma como alguns países orientais encaram o adoecimento humano também possa ser criticado...
O fato é que nós tendemos a nos afastar da morte, ao menos imaginativamente. Evitamos pensar nela, tocar nela, vê-la. E, consequentemente, evitamos a VIDA. Evitamos pensar em nossa finitude, e evitamos tocar a vida, na vida, com toda a nossa possibilidade, com toda a nossa humanidade.

"Se eu der o grito de alarme de estar viva, em mudez e dureza me arrastarão pois arrastam todos os que saem para fora do mundo possível, o ser excepcional é arrastado, o ser gritante." (LISPECTOR, 1998, p.63).
Os que não conseguem mais evitar o toque mão-a-mão com a morte, vivem com mais intensidade, com uma pureza indescritível... muitas vezes com uma dor inigualável, pois são afastados do convívio geral, são incompreendidos... Vêem o mundo por uma ótica "diferente" demais...

Precisamos superar nossas limitações, todos os dias; precisamos nos aprimorar, sempre.
Temo a morte, como a maioria; mas não quero me afastar dela: quero viver lado a lado com ela, quero lê-la nos livros, tocá-la na vida dos que a conhecem, quero senti-la comigo, e viver com muito mais sabedoria e intensidade do que antes.
Quero me metamorfosear. Quero ver as coisas como são. Convido você a pensar sobre isso... e, quem sabe, também encarar o medo da morte, sentir a morte em si, e descobrir o sentido da vida: vivê-la hoje, com a liberdade e responsabilidade devidas.

"É uma metamorfose em que perco tudo o que eu tinha, e o que eu tinha era eu - só tenho o que sou." (p.67)
"O que temia eu? ficar imunda de quê? Ficar imunda de alegria." ( LISPECTOR, p.73).

Natalie S. Dowsley.

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