sábado, 25 de dezembro de 2010

"Do seu toque nasce um mundo melhor"


A nova propaganda do perfume infantil da Johnson e Johnson é uma coisa linda!
A cena incial é de um bebê sendo cuidado pela mãe, que lhe perfuma com carinho. Já um pouco maior, o menininho, antes de ir ao seu primeiro dia de aula, pede pra mãe passar-lhe "aquele cheirinho" que o faz lembrar dela. A propaganda termina com a frase que intitula esta postagem.


Simples, mas eficiente: o comercial mostra a importância dos sentidos na construção de nossas memórias emocionais.
Desde a gestação até o último dia de vida, estamos em relação com o mundo. Fruto dessa interação nascem nossas memórias, na maior parte das vezes adquiridas de maneira involuntária e não-intencional.
O som das vozes, os cheiros dos ambientes, as imagens, paisagens e pessoas que vislumbramos, os toques recebidos: tudo, por menor que seja, deixa marcas em nossas memórias, que não se registram apenas no cérebro, mas em todo o nosso corpo, em nossas células mais diversas.
O registro das vivências não é o ponto alto da questão: a parte mais complexa desta "ferramenta" humana é que nossas memórias sofrem influência direta de nossas percepções/interpretações sobre o que vivemos. Ou seja, não é a lembrança de algo que nos faz rir ou chorar, e sim a compreensão que faço daquele fato recordado. Parece óbvio, não é? Mas essa é a grande complexidade humana!
Se dois irmãos gêmeos, que vivem nos mesmos ambientes e com as mesmas pessoas, sofrem agressões em casa, por quê um deles consegue ser feliz e seguir em frente, enquanto que o outro adoece e reproduz suas frustrações em sua relação com o mundo?
A diferença está não apenas na memória dos fatos, mas na forma que olho para aquilo que vivi/vivo.
"Mesmo que uma memória emocional não forneça um retrato completamente factual da experiência passada, o conteúdo emocional configurado como memória é uma representação absolutamente genuína dos referenciais internos do indivíduo." (Peres [et al], 2005). Estes "referenciais internos" são fruto da interação de nossas experiências, memórias e características próprias e pessoais. Ao longo da vida estes referenciais vão se constituindo e dando sentido às nossas vivências, concomitantemente, numa cadeia sem fim.


O toque, elemento destacado pela propaganda de perfume, é algo extremamente intenso e marcante. É a expressão física do estreitamento das relações, a forma mais clara de diminuição das barreiras entre o "eu" e o "outro", a grande expressão de nosso afeto e consideração - ou falta de - por quem nos cerca.
Para a criança, todas as ações voltadas a ela são de imensa importância e grandeza, já que esta é uma etapa onde se formam os pilares de nosso modo de "ser-no-mundo" (Heidegger).
Por isso, tocar - abraçar, beijar, acarinhar, ninar, aconchegar... - é tão importante: porque transpõem os limites do que sou e do que o outro é, unindo pessoas em uma única realidade, constituída a partir daquela interação estabelecida. Justamente por ser algo tão "invasivo" - ao ser tocado, "permito" que o outro entre em mim, em meu mundo e no que sou - é que o toque é tão importante... E pode ser, também, tão perigoso...
Crianças precisam do toque (todos nós precisamos, pois somos seres de relação!). Todos os cuidadores das crianças - pais, educadores, profissionais de saúde, etc - precisam estabelecer o toque na relação com os pequenos, mostrando-os que o contato com o outro é bom, é saudável, é positivo, agradável, fortalecendo na criança a segurança e fé nas suas interações presentes e futuras com outras pessoas.
O grande perigo está quando o toque é utilizado para machucar - física ou emocionalmente; quando é usado para o prazer do adulto que o "oferece" à criança não visando o bem-estar desta. Quando o corpo da criança passa a ser visto como mero objeto à disposição de outrem, o perigo se instala.
Esse "mau uso" do toque pode ser cometido de várias formas e por várias pessoas: no Bullying - violência nas escolas - colegas podem agredir outros, menores ou mais "frágeis"; na violência doméstica e no abuso sexual, o corpo do agredido passa a funcionar como propriedade do agressor, que o usa da maneira que achar mais conveniente; na mídia, as agressões através do toque são mais subjetivas, girando em torno da questão corporal: as exigências estéticas do mundo contemporâneo fazem com que o corpo seja encarado e buscado como uma fonte de prazer para o outro, e não para si mesmo. Isto gera insegurança e insatisfação permanente com o corpo que se tem, podendo levar ao distanciamento do toque com outras pessoas - "meu corpo não é bom o suficiente para te dar prazer".
De várias formas, a criança pode ver minada sua relação saudável com o toque. E não há dúvidas de que o corpo é nossa principal fonte de interação com o mundo, sendo, portanto, essencial ao nosso desenvolvimento pleno e salutar.
Considerando tudo isto, acredito que a maneira mais segura de garantir um crescimento completo e com poucos traumas - digo "poucos" porque os ditos "traumas", especialmente aqueles derivados de frustrações comuns do dia-a-dia, são inevitáveis e, até, essenciais à formação de um ser consciente e equilibrado - é cuidando para que as relações estabelecidas com nossas crianças sejam baseadas em respeito à pessoa que ela é. Dar carinho, tocar com amor, abraçar, beijar... Tudo isso é essencial! Mas cabe aos cuidadores uma tarefa difícil, bastante evitada por todos por se tratar de um assunto-tabu; cabe a estas pessoas falar à criança de que seu corpo é seu e que não deve ser utilizado de maneira errada, não deve ser agredido nem molestado, não deve ser menosprezado nem humilhado.
Orientações básicas, feitas desde cedo e na linguagem adequada para cada criança, são o mais forte escudo que podemos dispor às nossas crianças para que se protejam de abusos e violências, e que se relacionem com o seu próprio corpo e com o mundo de maneira tranquila e agradável, sem medo de ser usado ou de não ser bom o suficiente.


Como ainda não tenho filhos, vou fazendo minha parte por aqui...
E você, o que acha que pode fazer a respeito disso tudo?


Natalie S. Dowsley

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